Aracaju, a mais limpa do Brasil? Só se for nos discursos de marketing

Fala agora que sua cidade é a mais limpa. Vai, enche o peito de novo, solta esse orgulho sergipano que você carregava como se fosse uma medalha de honra urbana. Diz com gosto que Aracaju é referência em limpeza pública. Mas antes de dizer, olha ao redor. Olha o canteiro central da avenida, a esquina do bairro, o fundo da sua rua, a orla bonita com cheiro de mar e plástico podre. Fia, tá tudo coberto de lixo. E não é pouco, não. É muito. É visível. É fedido. É um escárnio.

O que aconteceu com a capital que tanto se vangloriava de ser exemplo de urbanidade? Onde estão os caminhões de coleta que circulavam com regularidade? Cadê a gestão que dizia que Aracaju era referência em saneamento, em organização, em planejamento? Virou poeira nos papéis de campanha? Virou meme na boca do povo que hoje tropeça em sacola plástica a cada três passos?

Porque antes era bonito, né? Era fácil postar stories da Orla de Atalaia, da Passarela do Caranguejo, das praças revitalizadas, do pôr do sol no Mosqueiro, com a legenda: “Minha cidade, orgulho que fala”. Mas agora, fia, a cidade está pedindo socorro. Está sendo sufocada por um amontoado de sacos pretos, entulho de obra, carcaça de sofá, pneu velho e o descaso que se alastra como uma praga invisível — mas com cheiro forte.

E não adianta jogar a culpa no povo. Não é o povo que deixou de recolher o lixo. É o poder público que deixou de fazer o básico: cuidar da cidade, manter o mínimo. A coleta irregular virou rotina. Há bairros inteiros sem recolhimento por dias. Comerciantes reclamam, moradores fazem vídeos, a imprensa noticia, mas a prefeitura parece mais preocupada em manter o Instagram bonito do que as ruas limpas.

A cidade que já foi capa de revista agora corre o risco de virar matéria de descaso. Porque a sujeira urbana não é só um problema estético. Ela é um sintoma. É o sinal de que algo apodreceu — e não foi só o lixo nas calçadas. Apodreceu a relação entre o poder público e suas responsabilidades. Apodreceu o compromisso com a população. Apodreceu a gestão que prometia ordem, progresso e sustentabilidade e hoje entrega caos, mosquito e descuido.

Sabe o que é mais triste, fia? É ver que a população, aos poucos, começa a se acostumar. Porque é isso que o abandono faz: ele molda o olhar da gente. O que antes era absurdo, hoje é normal. “Ah, é só mais uma sacolinha na sarjeta”. “Ah, ninguém veio recolher essa semana, deve ser porque choveu.” “Ah, é assim mesmo.” Mas não é, não. Não pode ser. Aracaju não merece esse rebaixamento. O povo trabalhador, os garis que ainda enfrentam a desorganização institucional, os bairros periféricos que já vivem sem quase nada — todos esses merecem respeito.

E não é só uma questão de imagem, não. É saúde pública. É dignidade. É cidadania. Quando o lixo se acumula, a dengue se espalha, os ratos aparecem, a água entope, a vida adoece. Quando a cidade vira depósito a céu aberto, ela deixa de ser um lar e passa a ser um terreno baldio em larga escala.

Então, fia, quando você disser que Aracaju é a cidade mais limpa, pense bem. Não na cidade dos outdoors, dos reels turísticos, da propaganda eleitoral de 2020. Mas na Aracaju real, que hoje está suja, largada, fedida e esquecida. Porque amor pela cidade não é fingir que está tudo bem. Amor é cobrar, é exigir, é gritar quando algo está errado.

A capital sergipana precisa voltar a ser limpa, sim — mas não só no asfalto. Precisa de limpeza ética, de limpeza de má gestão, de varredura nos contratos mal feitos, nas desculpas esfarrapadas, na falta de respeito com quem mora aqui. É hora de pegar essa vassoura metafórica e fazer um arrastão: não só no lixo, mas nos que se fingem cegos diante dele.

Porque, se continuar assim, fia, você não vai só tropeçar em lixo na calçada. Vai ser soterrada por ele. E aí nem story filtrado vai conseguir esconder a vergonha.

Aracaju não merece mais um mandato de abandono. E o povo não merece morar no lixão da promessa quebrada.

Trago fatos,  Marília Ms. 


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