O Boho Chique e o São João: Uma Reflexão Além dos Clichês de Moda



Quando se fala em São João, logo nos vem à cabeça aquela imagem de botas, cintos, babados e chapéus, numa mistura que para muitos é sinônimo do chamado “boho chique”. Essa associação rápida e quase automática, no entanto, revela um dos maiores equívocos sobre essa tendência e seu verdadeiro significado cultural. Dizer que o boho chique é a pior tendência do São João é uma crítica que soa rasa diante da profundidade e riqueza que o estilo representa. Muito além de uma estética limitada, o boho , ou borro, como carinhosamente também é chamado , carrega uma história de resistência, liberdade e autenticidade que merece ser entendida e respeitada, especialmente numa festa tão carregada de significado como o São João.

O que muitos reduzem a um mix de cintos, botas e babados, na verdade, remete a um movimento de vida e expressão. A origem do termo borro vem do francês “bohème”, usado no século XIX para designar artistas, escritores e intelectuais que viviam à margem da sociedade burguesa. A vida boêmia, então, não era simplesmente um estilo visual, mas uma postura contestadora, uma forma alternativa de viver que se opunha às normas sociais e buscava valorizar a arte, a liberdade e a expressão pessoal. Era um modo de existir que privilegiava a criatividade e a autonomia frente às estruturas rígidas da época.

Nos anos 1970, o boho renasceu ao lado do movimento hippie, carregando influências do folk, do psicodélico e de outros movimentos que questionavam o modelo de sociedade vigente, especialmente após as guerras e as transformações sociais. Foi nesse período que o boho ganhou força como símbolo de contracultura, traduzindo o desejo de uma vida mais livre, conectada à natureza e às emoções, longe do consumismo e da padronização. Nos anos 2000, o boho começou a ganhar uma roupagem mais fashion, impulsionada por festivais, celebridades e o skate, mesclando elementos clássicos com a moda contemporânea. Essa popularização trouxe um lado positivo, de democratização do estilo, mas também criou um problema: o boho virou mercadoria e passou a ser consumido de forma superficial e estereotipada.

No contexto do São João, essa distorção ficou ainda mais evidente. A festa, que tem suas próprias tradições e identidade regional, viu o boho ser reduzido a uma estética genérica , botas, cintos, franjas , que nada tem a ver com a essência do movimento. O que era para ser uma expressão de liberdade e criatividade acabou virando mais um uniforme, mais uma tendência a ser repetida sem reflexão. E isso gera uma desconexão perigosa, pois o boho é, acima de tudo, um estilo de vida, uma celebração da individualidade, do conforto, da mistura original e autêntica de elementos.

É fundamental entender que o boho não é um manual de moda, não é uma fórmula engessada, e sim uma inspiração para sermos quem somos, sem medo de misturar referências, sem a pressão de seguir padrões estéticos impostos. O estilo é uma forma de expressão que abraça a diversidade, a imperfeição e a liberdade, e não um conjunto de peças que você tem que vestir para estar “na moda”.

Portanto, julgar o boho chique como a pior tendência do São João é um erro que ignora toda a sua história, suas raízes e sua força simbólica. O que precisamos é resgatar a compreensão do boho como um convite para a liberdade criativa, para o respeito à diversidade e para a valorização da autenticidade. No São João, assim como em qualquer outro momento, podemos sim usar elementos do boho para incrementar nosso visual , e isso é ótimo! Mas nunca devemos esquecer que o verdadeiro borro está na atitude, no espírito e na conexão que ele representa.

Em tempos em que a moda pode ser uma armadilha da uniformização e do consumo desenfreado, entender o boho é um exercício importante de resistência cultural. É lembrar que estilo não é só roupa, mas um modo de estar no mundo. É permitir-se ser livre, plural e autêntico, sem se prender a estereótipos ou julgamentos superficiais.

Por isso, da próxima vez que pensar no boho chique no São João, pense além do visual , pense no que ele simboliza, no que ele pode inspirar. Afinal, vestir-se é também um ato político e cultural. E o boho, em sua essência, é uma celebração da liberdade.

Trago Fatos , Marília Ms.

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