Se eu tivesse um namorado… (mas antes, se eu me priorizasse)




Se eu tivesse um namorado, ele não seria um troféu. Não viria pra preencher vazios nem pra encenar comigo um roteiro de comédia romântica. E antes de ter um namorado, eu precisaria me ter. Me priorizar. Me entender. Me cuidar. Porque a vida, meu bem, não é um morango, apesar de ser vendida como uma sobremesa doce e fácil de digerir. E se eu não cair na real, sigo tropeçando em fantasias.

Tá na hora de parar de achar que relacionamento é sinônimo de prazer instantâneo, de cenas cinematográficas, de cafés da manhã na cama com florzinha e sexo de comercial de perfume francês. Tá na hora de perguntar: o que está ao meu alcance? O que eu posso fazer por mim agora?

Talvez a resposta não seja "um namorado", mas terapia, autoconhecimento, noites de sono em paz e não mais noites em claro esperando mensagens que não chegam. Talvez seja aceitar que o amor da vida não vem montado num cavalo branco, e nem precisa. Ele pode chegar de metrô, de chinelo, com olheira e boleto vencido, mas com presença, com verdade, com compromisso.

Se tudo o que você busca é intensidade, adrenalina, orgasmos apoteóticos e uma nova emoção por semana, não case. Por favor, não case. O casamento não é um parque de diversões. Ele não é feito de picadas no coração toda vez que o outro chega. Ele é feito de cumplicidade quando o outro fica. Fica nos dias silenciosos. Fica quando o desejo dá uma cochilada. Fica quando a realidade mostra sua cara e nem sempre é bonita.

Casamento é a arte de cultivar o desejo mesmo sem a magia da novidade. É dançar sem música. É admirar a mesma alma todos os dias como quem lê um bom livro pela segunda, terceira, quinta vez , e ainda assim descobre algo novo. O desejo não morre no casamento. Ele só se desafia a viver sem os truques da fantasia. E não é isso o que chamamos de maturidade?

Tem gente que ama estar apaixonada, mas não ama ninguém. Se vicia na sensação, no frio na barriga, na incerteza. São os caçadores da dopamina afetiva. Querem sempre o próximo brilho, o próximo flerte, o próximo impacto. Mas o casamento, meu caro, é feito de pequenos gestos diários. É um tipo de amor que não explode, mas pulsa. E o desejo, ali, não some: ele amadurece.

É mais fácil sentir tesão por quem a gente idealiza. Difícil é se despir da fantasia e continuar desejando alguém depois que a gente já conhece até o cheiro do tédio daquela pessoa. Quando o pijama não combina, quando o hálito matinal não perdoa, quando o corpo do outro já não surpreende , é aí que nasce o amor adulto. O desejo real.

E sim, vai ter semana em que o beijo é rápido, sem lírica. Vai ter noite em que o cansaço vence. Mas também vai ter o abraço que cura, o silêncio que acolhe, o toque que diz “eu tô aqui”, mesmo que o corpo esteja exausto. Vai ter sexo que nasce da intimidade, não da urgência. Porque quando há vínculo, há entrega. E quando há confiança, há espaço pra querer, mesmo sem precisar.

Se você acha que o casamento mata o desejo, talvez o que falta não é paixão, mas coragem. Coragem de sair do raso. De deixar o palco e viver no bastidor. De aceitar que a vida a dois não é um espetáculo, mas um bastidor sagrado onde o amor se revela, dia após dia, na constância.

Então, se eu tivesse um namorado, ele seria alguém com quem eu construo, não com quem eu apenas sonho. Alguém com quem eu compartilho o caos, a pia cheia, o moletom surrado e o cansaço de um dia difícil. Alguém que entende que amar é mais do que sentir , é escolher, permanecer, refazer.

Mas, antes disso tudo, se eu me priorizasse… eu entenderia que o amor só é possível quando a gente se reconhece inteira, e não quando tenta encontrar no outro o pedaço que falta. Porque ninguém completa ninguém. No máximo, transborda.

E se a vida não é um morango, talvez seja uma plantação inteira. E, pra colher, tem que plantar. Tem que cuidar. Tem que regar, mesmo nos dias nublados.

E o amor... bem, o amor é o que resiste quando todo o resto parece querer ir embora.

Trago Fatos, Marília Ms.

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