Redes (anti)sociais: como seria se a vida real fosse como o Instagram?
Se você tá vendo esse texto e você tem uma rede social, você já tá dentro de um dos maiores experimentos sociais não consentidos da história da humanidade. Um lugar onde a lógica do absurdo se tornou norma, onde a performance substituiu a presença e onde “seguir” virou um verbo cotidiano, banalizado, mas assustador.
Imagina isso na vida real: você acorda, escova os dentes, coloca uma roupa e sai... seguindo pessoas. Literalmente. Anda atrás da sua ex-colega de escola que você não vê há 15 anos pra ver se ela ainda namora aquele cara da academia. Encosta na vidraça da casa de um influenciador pra ver o que ele comeu no café. Aplaude quando ele mostra o shampoo novo que promete deixar o couro cabeludo “com cheirinho de milionário”. Isso é o que a gente faz. A diferença é que está mediado por uma tela, e por isso normalizamos.
A palavra “seguidores” carrega um peso histórico e quase religioso. Jesus tinha seguidores. Buda tinha discípulos. Gandhi tinha devotos. Hoje? Janaína do Grau tem seguidores porque posta vídeos dançando em cima da moto e mostrando sachê de biscoito sabor bacon com glitter. As palavras mudaram de sentido ou a gente que perdeu o rumo?
E o pior é que agora a gente “influencia”. Antes, quem influenciava o mundo eram os filósofos, os cientistas, os artistas que contestavam o status quo. Hoje, quem influencia é alguém que te convence de que comprar um mousepad com LED é essencial pra sua paz espiritual. Galileu foi preso por dizer que a Terra girava em torno do Sol. Hoje, você pode viralizar dizendo que a Terra é plana com a voz do Patolino dublando.
Temos, inclusive, uma nova forma de oração: a mensagem deixada nos DMs de famosos. Gente que conversa com o ADM do Neymar como se fosse uma linha direta com Deus. “Ô Ney, tô mal hoje, reza por mim”. O que é isso, se não o novo confessionário digital? Só que ao invés do padre ouvir, é um estagiário ganhando salário mínimo e digitando “Força, campeão!” enquanto come coxinha com Coca morna.
E por que a gente assiste os outros jogarem? Por que a gente vê alguém vivendo ao invés de viver? Talvez porque a realidade esteja difícil demais, e a vida dos outros parece mais palatável, com filtros, cortes e trilhas sonoras. Mas isso é só ilusão. A felicidade encenada é só performance. E a gente entra nisso querendo sentir algo, mas termina anestesiado, zapeando entre conteúdos e esquecendo o que procurava. É como abrir a geladeira sem fome: você só tá entediado, mas espera encontrar um sentido entre a mostarda e o refrigerante.
As redes sociais exigem opinião sobre tudo. É um campo minado de egos inflamados e certezas instantâneas. Viu um passarinho? O outro já quer saber de que lado político ele é. Postou foto do céu? Vem alguém perguntar se você sabe a pegada de carbono do avião que fez aquela nuvem. As conversas deixaram de ser trocas e viraram disputas de autoridade moral sobre o que quer que esteja em alta. E às vezes, é só um céu bonito, gente. Não precisa ter teoria.
A saturação é tanta que até o entretenimento exige estratégia. Você assiste uma série e, antes de terminar o episódio, já tem que emitir um parecer crítico, sob o risco de ser acusado de alienado. “Você não entendeu o final? Nossa, mas isso é porque você não conhece a crítica semiótica de Derrida aplicada à jornada do herói queer da 5ª temporada.” E tudo isso porque você só queria rir de um alienígena que dança.
A vida virou um reality show onde todo mundo é plateia, câmera e personagem. E quando tentamos sair disso, ainda precisamos justificar: “Não, não tô postando porque tô vivendo.” Como se viver sem postar fosse uma afronta.
Sim, tem coisa boa. Tem meme que salva dia ruim, tem vídeo bobo que arranca um riso sincero. Mas tem coisa que a gente só precisa largar. Porque se tudo é conteúdo, nada é vivido de fato. E no fim das contas, talvez as lembranças mais importantes nem passem pelo feed: estejam naquele dia em que você deixou o celular de lado, olhou ao redor e viu alguém rindo de verdade. Ali, naquele instante, sem post, sem like, sem filtro.
E aí, você percebe que talvez... só talvez... a vida real ainda seja o melhor aplicativo. Você tem coragem de abrir?
Trago Fatos , Marília Ms .
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