Quando os socialistas fazem o “L”: a metamorfose do PSOL de voz dissonante a apêndice do lulismo
Em um Brasil cada vez mais polarizado, é comum que partidos tenham que escolher entre pragmatismo e princípios. Mas quando a escolha se arrasta por duas décadas e culmina num abraço irrestrito ao poder que antes criticavam, é legítimo perguntar: o que restou da alma do PSOL?
Fundado em 2004 por dissidentes do PT que não suportavam mais os desvios éticos e programáticos do partido de Lula, o PSOL nasceu como a “resposta moral e ideológica” à esquerda corrompida pela realpolitik. Um partido de oposição intransigente, que se dizia antissistêmico, fiel à ética socialista, às lutas populares e ao espírito combativo dos movimentos de base.
Vinte anos depois, o PSOL que era trincheira virou tapete.
Hoje, o partido que já abominava alianças com setores fisiológicos é base fiel do governo Lula e ocupa confortavelmente a Esplanada dos Ministérios. Sonia Guajajara, importante liderança indígena e figura pública do PSOL, comanda o Ministério dos Povos Indígenas. Uma conquista simbólica, sem dúvida. Mas também um indício de como o partido passou de linha auxiliar da esquerda a linha oficial do lulismo.
A rendição foi gradual, mas deliberada.
Em 2022, o PSOL abriu mão de lançar candidatura própria à Presidência da República , um fato inédito em sua história. Fez o “L” com gosto, e não com relutância. A decisão, celebrada como estratégica por uns e capitulação por outros, revelou uma mudança de eixo: o PSOL deixou de querer disputar a hegemonia da esquerda e passou a orbitá-la.
Agora, com rumores de que Guilherme Boulos, deputado federal e principal rosto do partido, pode assumir a Secretaria-Geral da Presidência da República, o movimento se completa. Caso se concretize, Boulos será vizinho de Lula, despachando do andar de cima no Palácio do Planalto , mais próximo do poder do que jamais esteve.
Mas qual é o custo político e simbólico dessa proximidade?
A resposta é incômoda. Ao se aninhar no colo do governo, o PSOL abdica de sua vocação original: ser a consciência crítica da esquerda. E o faz justamente no momento em que o lulismo mais precisa de críticas , diante de alianças com setores conservadores, cortes orçamentários na educação, recuos ambientais e uma política de segurança pública que ainda ecoa o autoritarismo de gestões passadas.
O PSOL que se via como antítese do pragmatismo petista agora é seu satélite. A legenda que se orgulhava de ter um programa revolucionário agora precisa reescrevê-lo para caber nos moldes da coalizão. É como se a rebeldia institucional tivesse se transformado em conveniência palaciana.
E é exatamente isso que ameaça o futuro do partido: perder sua identidade em troca de influência. Pois há uma diferença entre disputar espaços para defender princípios e ocupar cargos para garantir estabilidade política. Quando a crítica vira adesismo, o partido vira legenda de apoio.
O caso Boulos é emblemático. De líder dos sem-teto e organizador de ocupações urbanas a potencial ministro palaciano, sua trajetória é símbolo dessa inflexão. O homem que denunciava o sistema se tornou parte dele. Não há problema algum em se transformar, desde que essa transformação não custe os ideais que se jurava defender.
É claro que vivemos uma conjuntura difícil. O bolsonarismo continua vivo, a extrema-direita está estruturada, e o campo democrático precisa de união. Mas a união pela democracia não pode significar o silenciamento das vozes divergentes dentro do campo progressista.
O PSOL nasceu para ser farol, não sombra.
Ao fazer o “L” sem freio e sem crítica, o partido corre o risco de se tornar irrelevante , um satélite que gira em torno do PT, sem brilho próprio. A esquerda brasileira precisa de pluralidade, de debate interno, de coragem para apontar falhas no governo sem medo de parecer "aliado ingrato".
O PSOL precisa decidir se quer ser governo ou consciência. Porque não dá para ser os dois.
Se continuar no caminho atual, poderá descobrir tarde demais que, ao fazer o “L”, se esqueceu do “S” de socialismo e do “O” de oposição.
Trago fatos , Marília Ms.
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