Quando o Poder se Confunde com Vitrine: A denúncia contra Emília Corrêa e os limites éticos da administração pública
A denúncia protocolada no último domingo (25) contra a prefeita de Aracaju, Emília Corrêa, por possível crime de improbidade administrativa e peculato, escancara não apenas uma crise de legalidade, mas uma crise moral e institucional profunda em Sergipe , e possivelmente em parte do Brasil contemporâneo. O ponto central da acusação: a prefeita estaria utilizando seu cargo para receber e divulgar, nas redes sociais, “mimos” de estabelecimentos comerciais locais, incluindo roupas e joias. Em um primeiro olhar, pode até parecer um gesto simpático, uma troca de gentilezas. Mas em termos de administração pública, isso pode ser entendido como um desvio dos princípios constitucionais que deveriam guiar qualquer gestor público.
De acordo com o artigo 37 da Constituição Federal, a administração pública deve obedecer aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quando uma prefeita agradece publicamente a uma loja por uma peça de roupa ou acessório recebido gratuitamente, e logo em seguida aparece usando ou promovendo a marca, ela não está apenas exercendo sua liberdade de expressão , está, na prática, associando sua imagem pública, conquistada por meio do voto e do poder institucional, a interesses comerciais privados. Isso fere a impessoalidade. Isso desafia a moralidade. Isso distorce a publicidade.
O problema não é o mimo. É o cargo.
A denúncia não se baseia apenas na indignação moral ou ética, mas sim na lei. Quando uma autoridade pública , prefeita, governador, presidente , se permite receber bens ou serviços gratuitamente por conta da sua função, isso pode se configurar como peculato ou, ao menos, como vantagem indevida. Em outras palavras: a pessoa jurídica do gestor, neste caso, o "CPF" de Emília, não pode se beneficiar do "CNPJ" da prefeitura. É aí que o presente vira problema. A propaganda vira crime. O carisma vira corrupção.
A justificativa de que “todos fazem” ou que “é apenas um brinde” não resiste à letra fria da lei, nem ao calor da análise ética. Imagine se o presidente Lula começasse a divulgar uma rede de fast food por ter recebido uma refeição gratuita. Ou se a governadora do Rio Grande do Norte fizesse propaganda de uma ótica local depois de ganhar um par de óculos de presente. A instituição presidencial ou governamental perderia o que lhe resta de sobriedade e respeito. O povo passaria a ver seu representante como um influenciador digital. Um garoto-propaganda de ocasião. Isso enfraquece a democracia, pois deturpa os papéis entre o público e o privado.
Entre joias, mato alto e o silêncio da gestão
Tudo se agrava quando observamos o cenário real da cidade e do estado. Enquanto Emília ostenta joias recebidas em meio a feiras de prefeitos, Aracaju enfrenta uma crise crônica de gestão do lixo. Vídeos circulam nas redes mostrando avenidas como a Tancredo Neves com mato alto, sujeira e abandono. A resposta da comunicação oficial? Acusação de misoginia. Segundo a prefeitura, criticar Emília é machismo. Mas a crítica não é ao gênero , é à gestão. A denúncia é sobre conduta, não sobre o fato de ser mulher. Aliás, a esquerda, muitas vezes chamada de "mimizenta" pelo próprio partido da prefeita, é quem geralmente faz esse tipo de defesa identitária.
Fábio Mitidieri e o silêncio seletivo
A denúncia também expôs o comportamento semelhante do governador de Sergipe, Fábio Mitidieri. Em seu caso, a atuação é parecida, mas com uma diferença notável: ele não agradece publicamente por “presentes”, ao menos não com a mesma frequência e tom promocional. Quando divulga uma pastelaria ou uma distribuidora, afirma ser consumidor, não parceiro privilegiado. Isso não anula os questionamentos éticos sobre a mistura entre figura pública e divulgação comercial, mas, até então, sua conduta não apresentou elementos que pudessem ser enquadrados legalmente como vantagem indevida.
A seletividade na denúncia é explicada pelo seu autor: só foram apontadas situações em que houve materialidade evidente da vantagem obtida por meio do cargo. Se Fábio amanhã começar a receber perfumes, ternos, viagens e joias gratuitamente, e promover esses itens nas redes, sua vez chegará.
O luxo da política e a pobreza do povo sergipano
Enquanto isso, o povo de Sergipe enfrenta a dura realidade. Segundo a PNAD e o Observatório de Sergipe, em 2024, mais de 36% da população sergipana vive na pobreza. Isso representa cerca de 800 mil pessoas. A taxa de desemprego supera 8%. O rendimento médio per capita por domicílio é de R$ 1.473. Sergipe amarga o 20º lugar no IDH nacional. E, ironicamente, é neste mesmo estado que o governador recebe o maior salário do Brasil, cerca de R$ 46 mil mensais. Um paradoxo cruel, onde o gestor vive em uma bolha salarial enquanto nega reajustes a servidores públicos essenciais.
O que está em jogo: a credibilidade da política
Não se trata apenas de Emília ou de Fábio. Trata-se de um modelo de política cada vez mais baseado na estética do marketing, no apelo das redes, na substituição da responsabilidade pela popularidade. A prefeita se apresenta como acessível, despojada, mas ao se comportar como influencer digital patrocinada por marcas locais, transforma sua função pública em palco para promoção pessoal.
E o mais preocupante: isso parece estar se tornando “normal”. Só que não é. É ilegal, é antiético, e é perigoso. Porque abre precedentes. Porque desmoraliza a função pública. Porque banaliza o respeito que a população deve ter por seus representantes.
O sergipano precisa decidir se quer um prefeito ou um influencer, um governador ou um garoto-propaganda. Porque enquanto se distribuem mimos e se gravam vídeos sorridentes, o povo ainda vive na pobreza, na fila do SUS, com salários congelados, e no esquecimento.
Não é só sobre Emília. É sobre para onde está indo a política de Sergipe.
É sobre nós.
Trago Fatos, Marília Ms.
Comentários
Postar um comentário