Quando o ego fala mais alto que a humildade no jornalismo ao vivo.


Foi apenas um erro de nome. Uma confusão simples, que poderia ter sido resolvida com um sorriso, um “desculpa aí” no ar e a vida que segue. Mas não foi. Porque em tempos de microfones abertos e egos ainda mais escancarados, qualquer deslize vira palco , e, às vezes, espetáculo. A cena protagonizada por Datena e a repórter Nicole foi mais do que um erro de comunicação. Foi um retrato do quanto ainda somos imaturos ao lidar com o próprio constrangimento.

Tudo começou com um engano: Datena chamou a repórter de “Daniele”, mas quem estava na transmissão era a Nicole. Educadamente, ela tentou explicar. Não, não se tratava de birra, vaidade, estrelismo. Era apenas uma correção gentil: “Perdão, perdão, Datena, é que eu sou a Nicole, é por isso que achei que você estava conversando com outra pessoa”. Mas bastou isso para o tom do programa mudar.

Veio então uma resposta ríspida, uma bronca pública: "Tá bom, Nicole. Com gentileza, Daniele, quando você ouve o apresentador te chamar, depois você reclama". Uma tentativa de colocar ordem, de reforçar autoridade. Mas o que se viu foi um apresentador incapaz de lidar com o próprio erro, transformando um momento banal num puxão de orelha desnecessário , ao vivo, diante de milhões.

A ironia é que ele mesmo afirma, em seguida, que “mais importante é a notícia, o apresentador fica em segundo plano”. Só que o que ele fez foi parar tudo para colocar o próprio ego no primeiro plano. A notícia ficou em silêncio por longos segundos enquanto se discutia quem deveria ou não responder ao nome errado. O foco, que deveria estar nos fatos, desviou-se para um mal-estar entre colegas. O protagonismo, que deveria ser do jornalismo, foi tomado por uma vaidade ferida.

É o clássico “eu errei, mas você errou mais”. Uma tentativa de inverter a culpa para não parecer frágil, para não demonstrar humanidade. E nesse teatro do poder, a Nicole virou personagem coadjuvante de um espetáculo que não deveria existir.

Mas vamos sair da tela e olhar para dentro. Quem nunca foi Datena por um minuto? Quem nunca ficou desconfortável ao ser corrigido e acabou descontando no outro? Quem nunca inverteu a responsabilidade só pra não admitir um lapso? O problema é universal. O que vimos ao vivo é apenas o reflexo de algo muito maior: a nossa dificuldade crônica em lidar com os próprios erros com leveza e humildade.

Num mundo onde todo gesto é gravado, compartilhado, amplificado, a gentileza virou resistência. A capacidade de rir de si mesmo virou raridade. E o ego, esse pequeno tirano que habita em todos nós, continua sabotando relações, momentos, ambientes de trabalho.

E veja bem, não se trata de condenar o Datena — mas de observar o que esse episódio nos revela sobre o jeito como nos comunicamos, especialmente em ambientes hierárquicos como o jornalismo tradicional. Quantas vezes repórteres mulheres são interrompidas, corrigidas ao vivo, expostas ao erro público sem qualquer necessidade? Quantas vezes a autoridade se impõe pela força e não pela escuta?

Seria tão mais bonito se naquele momento ele tivesse dito algo como: “Poxa, me confundi, Nicole. Obrigado por avisar. Vamos seguir com a matéria”. Teria mostrado grandeza, liderança real, maturidade emocional. Teria nos dado uma lição sobre como lidar com o erro sem transformá-lo em conflito. Mas preferiu o caminho do desconforto , e perdeu a chance de ensinar algo nobre com um gesto simples.

No fim das contas, o que ficou não foi a notícia, mas o ruído. E isso diz muito.

A boa comunicação não é sobre estar certo o tempo todo. É sobre saber recuar, ouvir, corrigir e continuar. Com respeito, com leveza, com verdade.

Então, da próxima vez que a gente errar , porque vamos errar , que a gente lembre da Nicole. E que, ao invés de reagir com ataque, a gente diga com naturalidade:

“Perdão. É que eu sou humano.”

Trago Fatos, Marília Ms.

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