Quando Mudar É Viver: A Coragem de Thaís Carla e a Confusão entre Aceitação e Negligência




Thaís Carla mudou. E ainda bem.

Num mundo em que a coerência de discurso vale mais do que a coerência com a própria saúde, é preciso coragem pra mudar. E coragem foi o que ela teve. Porque mudar com a internet te assistindo não é fácil. Mudar depois de ter sido símbolo de resistência, representatividade e autoaceitação é quase um ato de revolta. Mas às vezes, é só isso mesmo que salva: revoltar-se contra o próprio passado, contra as próprias certezas.

A decisão de Thaís Carla  de emagrecer , com dieta, com exercícios, com cirurgia, chocou, irritou, decepcionou. Mas não deveria. Porque ela não traiu o que acreditava. Apenas foi honesta o suficiente pra reconhecer que aquilo que ela acreditava não servia mais pra sua nova versão.

A verdade é que a internet cobra posturas inquebrantáveis. Como se cada escolha fosse um contrato vitalício com a opinião pública. Como se evoluir fosse sinônimo de fraqueza, e não de maturidade. Thaís entendeu isso do jeito mais difícil: sendo julgada por fazer justamente o que sempre defendeu , amar seu corpo. Mas agora, amar o corpo significa escutá-lo. E o dela gritava.

Obesidade mata.

São 2,8 milhões de mortes por ano no mundo. No Brasil, mais de 300 mil. E enquanto isso, a internet ainda confunde autoaceitação com descaso. Romantiza frases de efeito como “ame seu corpo” mesmo quando o corpo já suplica por ajuda. Mesmo quando amar de verdade significaria mudar. Quando o amor próprio vira apego ao discurso, o corpo vira mártir.

A própria trajetória de Thaís Carla  é emblemática. Ela sempre dançou bem, sempre foi talentosa, mas era o bumbum que roubava a cena ,porque o corpo dela, antes de ser seu, era do entretenimento. Thaís Carla sabia disso. Sabia que nos auditórios, ela era o personagem caricato, a “gordinha engraçada”. E mesmo assim, seguiu firme, encontrando na dança um espaço de pertencimento. Resistindo à zombaria com arte.

Mas com o tempo, a causa cresceu e ela virou símbolo de algo maior. Tornou-se ícone da luta contra a gordofobia. E nesse processo, talvez tenha começado a se perder. Porque toda vez que a militância engole o indivíduo, o ser humano desaparece. A personagem “Thaís Carla empoderada” virou uma prisão. E sair dessa prisão exigia um novo passo: mudar. Reconhecer que as dores do corpo eram reais, que os riscos eram concretos. Que a saúde mental e física não podiam mais ser sacrificadas em nome de uma bandeira.

E ela mudou. E não, isso não é traição. É libertação.

Ela foi chamada de fraca, de contraditória. Mas a verdade é que ser forte é isso: escolher continuar viva. Escolher respirar fundo, calar os aplausos e fazer o que precisa ser feito, ainda que doa. Ainda que decepcione os seguidores. Ainda que contrarie o roteiro.

Mudar de opinião, de escolha, de direção... Isso não é incoerência. É evolução.

E mais: é também um ato de honestidade profunda. Porque manter-se em algo só porque já defendeu aquilo antes, é covardia disfarçada de firmeza. A verdadeira coragem está em dizer: “eu estava errada , ou melhor , eu mudei”.

A nova Thaís não é menos valente. É mais lúcida. Não é menos representativa. É mais real. Porque a luta dela nunca foi contra o peso. Foi contra os rótulos. E quando ela entendeu que o maior rótulo era aquele que ela mesma tinha reforçado , o da gorda feliz, da resistência que não adoece , ela quebrou esse rótulo também.

Hoje, Thaís Carla treina, cuida da alimentação, passou por uma cirurgia bariátrica. E sabe o que é mais poderoso nisso tudo? Ela não pediu desculpas por mudar. Porque não precisa.

Ela não traiu ninguém. Ela só parou de trair a si mesma.

E no fim, o que a história dela nos ensina é simples, mas essencial: você não precisa morrer abraçada a uma ideia que já não te serve. A internet talvez não perdoe a sua contradição. Mas a sua saúde , física, mental e emocional, agradece a sua coragem.

Porque quem vive de verdade, muda. E quem muda, vive.

Trago Fatos , Marília Ms.

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