Quando a infância é violada pela normalização de práticas inaceitáveis




No Brasil, temos sido constantemente surpreendidos por notícias que desafiam o senso comum, o bom senso e, acima de tudo, os direitos fundamentais das crianças e adolescentes. Uma dessas notícias que recentemente gerou forte repercussão pública envolve um caso de união entre um adulto com décadas de idade e uma adolescente. O mais chocante, no entanto, não é só o fato em si, mas a forma como parte da sociedade trata essas situações com naturalidade , como se fossem apenas “escolhas pessoais” ou “questões culturais”.

Em uma fala contundente no plenário, a deputada Sâmia Bomfim expôs a gravidade do assunto ao confrontar o deputado Nikolas Ferreira. Ela lembrou algo que ouvimos com frequência: “Daqui a pouco, vão querer legalizar casamento entre adultos e crianças”. O problema é que, para cerca de 2,2 milhões de meninas brasileiras, essa “previsão sombria” já é realidade. Estão vivendo algo que não é romance, nem escolha legítima, mas sim a consequência de uma estrutura social que fragiliza meninas, silencia suas vozes e permite que uniões precoces sejam vistas com normalidade.

O caso recente de um político que oficializou uma relação com uma adolescente mostra como o problema não está distante. Está entre nós, dentro das instituições, sendo tratado como algo menor. Quando autoridades públicas protagonizam esses episódios sem enfrentar as devidas consequências sociais ou legais, o recado para a sociedade é perigoso: que certas atitudes podem ser relevadas quando envolvem poder, prestígio ou suposta “legalidade”.

Mas é fundamental dizer: o Brasil possui leis claras sobre idade mínima para casamento e, principalmente, sobre proteção à infância e adolescência. A Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código Civil são unânimes em afirmar que nenhuma decisão pessoal ou familiar pode violar os direitos de um menor de idade. Qualquer relação que envolva desigualdade de poder e maturidade emocional precisa ser questionada, não celebrada.

É hora de refletir sobre o silêncio seletivo

O mais desconcertante é que muitos dos que se dizem “defensores da família” preferem se calar diante de situações como essa. A indignação é seletiva. E isso precisa ser dito com clareza: não se pode defender a família fechando os olhos para práticas que colocam em risco a dignidade, a saúde emocional e o futuro de meninas que ainda estão em fase de desenvolvimento.

Falar sobre esse tema não é uma questão de ideologia, mas de humanidade. De compromisso com o presente e o futuro de milhões de meninas brasileiras. Quando autoridades públicas ignoram esse debate, ou pior, relativizam essas práticas, estão falhando com a própria função de legislar e proteger a população mais vulnerável.

A infância deve ser vivida, não negociada

O Brasil precisa escolher com que tipo de sociedade quer se comprometer. Não podemos continuar normalizando relações que invertem papéis, retiram a autonomia e colocam adolescentes em situações que exigem maturidade e experiência de vida que ainda não possuem.

Mais do que um debate político, este é um chamado ético e social. Se crianças e adolescentes não forem prioridade absoluta , como garante a nossa Constituição , estaremos aceitando a permanência de ciclos de injustiça silenciosa, disfarçados de tradição ou “consentimento”. E isso é inadmissível.

Se quisermos, de fato, defender a família, é preciso começar protegendo a infância. E isso passa, inevitavelmente, por reconhecer, denunciar e combater tudo aquilo que tenta se disfarçar de “afeto”, mas que na verdade mascara desequilíbrios de poder e silenciamentos estruturais.

Trago Fatos , Marília Ms .


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