Preto no Luxo: O Met Gala 2025 e o Triunfo do Dandismo Negro




Você percebeu que o Met Gala deste ano estava mais preto? E não falo só da paleta de cores, dos trajes exuberantes ou da estética. Falo de algo mais profundo: da alma preta que pulsava nas entrelinhas de cada look, de cada entrada triunfal, de cada passo firme no tapete vermelho mais fotografado do mundo. Pela primeira vez na história, o evento mais celebrado da moda mundial prestou uma homenagem direta, assumida e necessária à influência negra no universo fashion, com um tema centrado no dandismo negro.

E isso, meus caros, não é pouca coisa.

Para entender o peso simbólico dessa escolha, precisamos voltar no tempo , para um tempo em que vestir-se com luxo não era apenas uma questão de estilo, mas um código político, um ato de afirmação social. O dandismo surgiu na Europa entre o final do século XVIII e o início do XIX, como um movimento estético e comportamental entre homens brancos da elite, como Oscar Wilde e Beau Brummell. Eram homens que usavam a roupa como extensão da própria inteligência, como arma de sofisticação e distinção. Eram exagerados, meticulosos, muitas vezes ridicularizados por isso, mas profundamente respeitados por sua capacidade de moldar imagem, classe e desejo.

Mas a história dá voltas. E os pretos, como sempre, viram no que era exclusão, oportunidade. O dandismo negro nasce como resposta. Como enfrentamento visual ao racismo. Como forma de gritar em silêncio: “Eu sou mais do que vocês dizem que sou. Eu tenho valor. Eu tenho história. Eu tenho estilo.”

Nas ex-colônias, homens negros se apropriaram do que havia de mais refinado na estética europeia , ternos bem cortados, bengalas, lenços, cores vibrantes, sapatos impecáveis. Mas com um detalhe: imprimiram nessa indumentária uma nova alma. A alma da resistência. A roupa se tornou escudo contra os estereótipos racistas que tentavam pintar o homem negro como inferior, desleixado, marginal. E a resposta foi clara: vamos devolver essa violência com elegância, com dignidade e com marra.

Essa não é apenas uma estética. É uma revolução silenciosa que atravessa oceanos e séculos.

No Brasil, o dandismo negro encontrou morada nos becos, nas rodas de samba, nos terreiros e nos salões. Ele se manifesta na figura do malandro elegante , aquele homem negro do subúrbio carioca que, mesmo sob a opressão brutal da Primeira República e da escravidão recém-abolida, desfilava pelas ruas com seu terno listrado, sapato bicolor, chapéu panamá e um sorriso sarcástico de quem sabia que sua presença era, por si só, uma afronta ao sistema.

O Zé Pelintra é a alma desse movimento. Entidade cultuada nas religiões afro-brasileiras, ele simboliza o cruzamento perfeito entre a malandragem e a sofisticação. Entre o cuidado com a aparência e a malícia de quem conhece os atalhos do mundo. Ele é o avesso da marginalização: é a realeza das periferias. E é também moda. Estilo. Postura. Poder.

Ver tudo isso representado no Met Gala deste ano foi emocionante. E mais que isso: foi histórico.

Pela primeira vez, todos os co-presidentes do evento eram homens negros. Não apenas presentes — protagonistas. Em um evento que, por décadas, tratou a negritude como exceção, como cota estética, como adereço exótico, agora os corpos pretos estavam no centro. Não como inspiração à parte. Mas como o tema.

E isso importa. Porque a moda, embora muitas vezes superficial, é também espelho. Ela revela quem tem direito de sonhar, de brilhar, de ocupar os espaços do belo. E por muito tempo, o mundo negou isso à população negra. Nos foi dito que não pertencíamos ao luxo. Que nosso lugar era na informalidade, na cópia, no improviso. Mas esquecem que o improviso é arte. Que a gambiarra é genialidade. Que o estilo negro não copia: cria.

O luxo, esse que encanta as passarelas e os editoriais de revista, nasceu sim da nossa resistência, da nossa inventividade diante da escassez, da nossa capacidade de transformar dor em beleza. A moda sempre bebeu da fonte preta , do street style ao hip hop, do samba aos penteados afro, da capulana africana ao ouro de Iemanjá. O que faltava era reconhecer isso sem vergonha, sem filtro branco, sem apropriação.

E o Met Gala 2025 foi esse divisor de águas. Um ponto de virada. Um aviso de que sem gente preta, não tem moda.

Que esse momento não seja só simbólico. Que ele reverbere nos bastidores, nas agências de modelo, nas diretorias das revistas, nos desfiles, nas escolhas de quem patrocina e de quem consome. Que a moda pare de nos roubar para nos vender de volta em embalagens pasteurizadas. E que mais pessoas negras possam, como os dandis do passado e do presente, vestir-se de si mesmas com orgulho ,não por validação alheia, mas porque sabem que pertencem. E com estilo.

Porque ser preto nunca foi apenas existir , é, desde sempre, resistir com beleza.

Trago Fatos , Marília Ms .

Comentários

Matérias + vistas