O que destrói uma família? Spoiler: não é um casal LGBT.
Acabei de ver a imagem de um casal de mulheres beijando a testa da filha adotiva com ternura , e logo abaixo, o comentário: “E no dia dos pais, vai quem?”
A pergunta que escancara o preconceito também revela, sem querer, o retrato mais fiel da falência moral de uma sociedade que se preocupa mais com a orientação sexual dos pais do que com a responsabilidade afetiva dos homens que os abandonam.
Quer saber quem vai no Dia dos Pais? Talvez a mesma mãe que foi ao hospital sozinha, que alimentou, educou, protegeu, lutou e nunca teve folga. Ou talvez as duas mães, aquelas que escolheram amar e cuidar de uma criança que não geraram, mas assumiram. Talvez o dia dos pais possa, sim, ser delas , porque presença e cuidado valem mais que cromossomos XY.
A gente vive num país onde mais de 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento. Onde a figura masculina, muitas vezes, está ausente não porque morreu, mas porque escolheu sumir. Mas a preocupação do cidadão de bem é com quem a criança LGBT+ vai homenagear em datas comemorativas?
Não, nem todo homem é estuprador , mas alguns estupram. Outros riem. Outros gravam. Alguns compartilham os vídeos. Muitos culpam as vítimas. Incontáveis fazem piadas. Outros encobrem os amigos, e há os que dizem “isso é coisa de homem”. E enquanto isso, o silêncio é cúmplice, e a cultura de estupro continua viva, alimentada por cada risada, por cada frase dita como se fosse “brincadeira”.
É revoltante ver a hipocrisia sendo normalizada. Dizer que casais homoafetivos estão “destruindo a família” é fechar os olhos para os verdadeiros responsáveis por essa destruição: o abandono paterno, a violência doméstica, o machismo estrutural, o feminicídio, a negligência estatal.
Família é feita de presença, afeto, escuta, vínculo. Família é quem cuida, é quem fica, é quem ama , não quem “engravidou” e sumiu, não quem postou homenagem no Dia dos Pais mas nunca pagou uma pensão.
Minha rede de apoio está exausta, precisando de apoio. E se até a minha, que reconheço ter alguns privilégios, está assim, imagina quem tem menos? Imagina as mães solo periféricas que criam filhos sem um braço forte para dividir o peso? Imagina as famílias compostas por avós, tias, padrinhos, vizinhos, amigos que assumem papéis que biologicamente não eram seus?
E no meio disso tudo, ainda se questiona o direito de um casal homoafetivo ser chamado de família. É preciso ser muito desumano ou muito mal-intencionado pra achar que duas mulheres ou dois homens que lutaram para adotar uma criança — para amá-la, protegê-la e dar-lhe dignidade — são uma ameaça à sociedade.
Sabe o que é ameaça à sociedade? É a hipocrisia da direita armamentista que se diz cristã, mas prega a violência, idolatra armas, ignora o “não matarás”. Que se diz defensora da infância, mas fecha os olhos para a fome, para a evasão escolar, para o abuso nas igrejas e para o trabalho infantil. Que ataca quem adota, mas não adota ninguém.
Enquanto o discurso de ódio for mais valorizado que o afeto; enquanto a aparência da moral valer mais que a ética da presença; enquanto a estrutura heteronormativa for defendida às custas da exclusão de quem ama diferente , continuaremos sendo uma sociedade falida emocionalmente, espiritualmente e politicamente.
E pra responder de vez à pergunta: no Dia dos Pais vai quem cuida. Vai quem ama. Vai quem está. Porque no fim das contas, o que destrói famílias não são duas mães nem dois pais. É a ausência de amor , e a presença do preconceito.
Trago fatos , Marília Ms .
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