O País da Humilhação: Quando a Dignidade se Torna Espetáculo
O Brasil contemporâneo parece atravessar uma crise que vai muito além da política, da economia ou da segurança pública. A crise é, sobretudo, cultural e moral. É um país onde a humilhação tornou-se entretenimento e a dignidade, moeda de troca barata em um palco global de espetáculo. Um país que assiste, quase anestesiado, à transformação do sofrimento humano em circo midiático, onde o absurdo e a desumanização reinam como protagonistas.
Nos últimos tempos, cenas que antes seriam inimagináveis passaram a ser rotina: pessoas acampando por horas, dias a fio, expostas ao sol escaldante, à poeira e à chuva, em busca de um mero aceno, um gesto de reconhecimento por parte de um influenciador digital. Carlinhos Maia, personagem que simboliza a ascensão meteórica da fama nas redes sociais, tornou-se, involuntariamente, o centro de um fenômeno perturbador. Centenas de pessoas, muitas delas em situação de vulnerabilidade social, se submetem a condições degradantes, esfarrapando qualquer noção de respeito próprio, na esperança de um instante de visibilidade , um pedaço de atenção, um fragmento fugaz de relevância que o mundo digital pode lhes proporcionar.
É uma humilhação pública, revestida da aparência alegre e festiva do “show”. Um bolo velho, disputado com gritos e esfarelado entre mãos ansiosas, ganha ares de última esperança. A batalha não é por comida, tampouco por justiça social; é por migalhas de fama numa cultura onde o “likes” e o “shares” ditam o valor das pessoas. Em um país de desigualdades gritantes, esta imagem se torna símbolo do colapso ético.
Enquanto isso, em Brasília, a discussão pública parece deslocada das reais prioridades. O país descobre escândalos de corrupção de proporções históricas, e em vez de se concentrar em investigações aprofundadas e responsabilizações concretas, dá espaço a shows e palcos improvisados em CPIs que mais parecem espetáculos circenses do que mecanismos de controle democrático. A “CPI das Bets”, por exemplo, ficou marcada mais pela presença de influenciadores e celebridades infantis do que pela busca por transparência e justiça.
É o reflexo de uma sociedade que perdeu o senso do que é importante. Um Brasil onde os papéis sociais se embaralham perigosamente: adultos são infantilizados, crianças são precocemente adultas, animais recebem tratamento que muitas vezes supera o dispensado aos próprios humanos. Nesse cenário distorcido, a honra e o respeito ao próximo cedem lugar à lógica cruel do entretenimento a qualquer custo.
O país desaba no momento em que o sofrimento vira mercadoria e a exposição da vulnerabilidade passa a ser celebrada como performance. O povo, em grande parte, se transforma em plateia e, simultaneamente, em coadjuvante deste espetáculo macabro. Quem não percebe isso, muitas vezes está imerso no próprio papel, vivendo e alimentando a lógica do espetáculo.
O Brasil “acabou” não porque tenha deixado de existir, mas porque permitiu que sua dignidade fosse desfigurada, vendida e banalizada. É um país onde a luta por respeito virou uma briga por espaço no palco digital, onde o que importa não é a verdade, mas a viralização. Onde a justiça e a solidariedade cedem lugar à competição pelo próximo “like”.
Resta a pergunta: que Brasil queremos ser? Um país de plateia passiva diante da própria degradação? Ou uma nação que se levanta contra essa humilhação mascarada de entretenimento e resgata a dignidade de cada cidadão?
É urgente que essa reflexão aconteça, que as prioridades sejam repensadas e que a política, a cultura e a sociedade reencontrem o rumo que leva ao respeito mútuo e à valorização da vida humana ,longe das luzes falsas do palco e do som vazio do aplauso momentâneo.
Trago Fatos , Marília Ms .
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