O novo luxo da burguesia é parecer saudável e fazer o pobre acreditar que é culpa dele não ser.



A ostentação perdeu a graça para a elite no exato momento em que a periferia entrou no jogo. Quando o tênis caro chegou ao pé do jovem da quebrada, quando o cordão dourado virou símbolo de ascensão nas quebradas, quando os bailes exibiam o que antes era exclusivo dos jardins e dos condomínios. A burguesia, então, correu. Como sempre faz. Mudou a vitrine, alterou os símbolos, subiu o degrau.

Agora, a ostentação veste roupa de linho, come semente de chia e medita ao nascer do sol.
O luxo deixou de ser joia e passou a ser “autocuidado”.
A nova ostentação é clean. Minimalista. Silenciosa. Só que não menos cruel.

Porque, no fundo, nada mudou: continua sendo sobre separar quem pode de quem não pode.
Só que agora é ainda mais sujo. Porque além de viver esse estilo de vida inacessível, a elite culpa quem não consegue acompanhar.
“Falta foco.”
“Falta disciplina.”
“Você tem que se priorizar.”

É fácil dizer isso quando o seu dia começa com yoga e termina com massagem. Quando o tempo é elástico, o dinheiro é infinito, e o esforço nunca precisou ser sobre sobrevivência. Difícil mesmo é priorizar a própria saúde quando o despertador toca às 4h da manhã, o ônibus lotado é o primeiro desafio do dia, e a marmita com arroz e salsicha é o único combustível até o próximo turno.

O burguês prega que "é só querer", mas isso é mentira. Não é só sobre querer.
É sobre ter tempo. Ter dinheiro. Ter rede de apoio.
É sobre não viver esgotado.

O pobre não come mal por ignorância , come o que cabe no orçamento depois de pagar o aluguel, o gás, o transporte e, às vezes, a dívida do mês anterior.
Mas a elite faz parecer que é uma escolha. E pior: transforma essa vida artificialmente saudável em produto.
Vende curso de alta performance. Dieta personalizada de dois mil reais. Retiro de silêncio no mato com hospedagem gourmet e terapia holística.
Tudo embalado com o selo da meritocracia, como se fosse acessível pra todo mundo.

E ainda aponta o dedo: se você não está bem, a culpa é sua.
Sua mente está fraca.
Você não se dedica o suficiente.
Você não quer mudar.

Só que o sistema foi desenhado para você falhar.
Porque se todo mundo vencer, quem é que a elite vai olhar de cima?

Enquanto o rico faz jejum intermitente com acompanhamento, o pobre pula o café da manhã porque não tem o que comer.
Enquanto o rico desintoxica o corpo em spa, o pobre intoxica a alma de tanto sufocar dor e boleto.
Enquanto o rico toma ozempic e viaja pra operar com o cirurgião das celebridades, o pobre espera meses pra ser atendido no posto, e ainda sai de lá com um “toma dipirona e repousa”.

Esse novo estilo de vida saudável, vendido como evolução, não passa de uma nova roupagem do mesmo apartheid social de sempre.
Agora não é só o carro, a bolsa ou o bairro que te separam.
É o índice de cortisol.
É o IMC.
É o tempo que você tem pra si.

O pobre tem crise de ansiedade. O rico, terapeuta exclusivo.
O pobre come comida de lata. O rico, salada orgânica colhida sob encomenda.
O pobre precisa se anestesiar pra dormir. O rico faz aromaterapia e respira fundo.

E no meio disso tudo, a maior crueldade é que te convenceram que você falha por não viver com classe.
Não basta explorar a tua força de trabalho.
Agora, querem te humilhar por não conseguir sofrer com estilo.

A nova ostentação não tem brilho. Tem silêncio. Tem corpo magro, mente calma e dieta restrita. Mas o que ela carrega é o velho de sempre:
A vontade de manter os degraus.
De manter distância.
De continuar culpando o oprimido pelo peso que não é dele carregar.

E você? Vai continuar tentando “performar autocuidado” enquanto o sistema te mata aos poucos?

Trago Fatos , Marília Ms.

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