O mito do Cristo Redentor
O mito do Cristo Redentor como símbolo exclusivo do Rio de Janeiro é uma narrativa tão arraigada na cultura popular brasileira que poucos param para questionar suas origens reais. Porém, essa história aceita como incontestável precisa ser revisitada com olhos críticos e conhecimento histórico, sobretudo quando se descobre que o primeiro Cristo Redentor do Brasil não está no Corcovado carioca, mas sim na antiga capital de Sergipe: São Cristóvão.
Essa revelação não é apenas uma curiosidade geográfica ou histórica , é uma potente provocação contra o centralismo cultural e o regionalismo excludente que dominam o Brasil há séculos. Enquanto o Rio de Janeiro é celebradamente associado ao seu gigante de braços abertos, há em Sergipe um Cristo Redentor que é pioneiro, anterior e legítimo, plantado na terra que antes foi o coração político e cultural do estado sergipano.
A história oficial e popular brasileira é marcada pela valorização exagerada do eixo Rio-São Paulo, deixando de lado , ou simplesmente ignorando , narrativas, patrimônios e símbolos de outras regiões. O Cristo Redentor do Corcovado, inaugurado em 1931, é mundialmente famoso, cartão-postal do Brasil, mas ele não foi o primeiro.
Em São Cristóvão, a antiga capital sergipana, existe um Cristo Redentor que data do século XIX, instalado em uma colina que já servia de marco para a região. Esse Cristo anterior, com seu significado próprio, representa uma herança cultural e religiosa que antecede o famoso ícone carioca. Contudo, ele foi obscurecido pela grandiosidade do monumento do Rio, pela mídia, pelo turismo e pelo próprio protagonismo histórico do Rio de Janeiro, que domina a narrativa nacional.
O deboche carioca e a arrogância regionalista
É curioso observar o quanto os cariocas se sentem donos exclusivos do Cristo Redentor — a ponto de debocharem de versões semelhantes ou até maiores que surgem em outras regiões, como o Cristo Redentor do Rio Grande do Sul. Essa atitude revela o quanto o Brasil está dividido por uma espécie de bairrismo tóxico, que se manifesta em gestos pequenos e aparentemente inofensivos, mas que perpetuam uma mentalidade excludente.
O Rio de Janeiro, que se apropriou culturalmente do símbolo do Cristo Redentor, ignora que nem o “original” é dele. Isso serve para desmistificar um discurso hegemônico que concentra o orgulho nacional em poucas capitais e ignora a vasta riqueza simbólica e histórica das regiões menores, como Sergipe.
Por que isso importa?
Não é apenas uma questão de geografia ou de disputa pelo título simbólico. O fato de o primeiro Cristo Redentor brasileiro estar em São Cristóvão aponta para a necessidade urgente de descentralizar a história e a cultura nacionais. Significa reconhecer que o Brasil é plural, múltiplo e que suas origens e símbolos não pertencem a um único eixo, muito menos a um único estado.
Valorizar o Cristo Redentor sergipano é, antes de tudo, uma forma de dar voz e visibilidade a uma região que, muitas vezes, é invisibilizada nos mapas oficiais do turismo e da cultura brasileira. É um gesto contra a hegemonia cultural e econômica que concentra poder e prestígio no Sudeste.
O Brasil que precisa reconhecer sua diversidade
Negar que o primeiro Cristo Redentor é de Sergipe é repetir a mesma lógica que marginaliza povos, culturas e histórias que não se encaixam na grande narrativa dominante. É manter o Brasil dividido, desigual e injusto em termos simbólicos, culturais e até econômicos.
O Brasil que queremos construir precisa ser plural, e isso começa por valorizar tudo aquilo que é nosso, em toda a sua diversidade e riqueza. O Cristo Redentor de São Cristóvão é mais do que uma estátua: é um símbolo da resistência histórica das regiões menores, uma chamada para a valorização dos patrimônios locais e para o combate à arrogância regionalista.
Portanto, da próxima vez que ouvirem cariocas debochando do Cristo Redentor do Rio Grande do Sul ou de qualquer outro lugar, lembrem-se: nem o “original” é do Rio de Janeiro. O primeiro Cristo Redentor do Brasil está em Sergipe, na antiga capital São Cristóvão. E isso, mais do que qualquer argumento, desarma a arrogância e convida à reflexão sobre como construímos nossas histórias, identidades e símbolos nacionais.
O Brasil precisa aprender a valorizar suas raízes plurais, e isso inclui reconhecer que Sergipe tem, sim, um lugar fundamental na história do Cristo Redentor brasileiro , um lugar que jamais deve ser esquecido, silenciado ou menosprezado.
Trago Fatos , Marília Ms.
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