O mercado lucrativo do machismo e o analfabetismo emocional masculino


Ser machista online virou um negócio rentável. Uma indústria do ódio. Uma corrente de monetização baseada em clicks, views e curtidas de homens que não têm coragem de olhar no espelho. Homens covardes demais para fazer terapia, mas rápidos no gatilho para digitar ofensas e despejar frustrações nos comentários de um post de mulher que ousou pensar por conta própria. Porque aceitar que o mundo não gira ao redor de seu umbigo , como lhes foi ensinado desde o berço patriarcal , é mais difícil do que repetir jargões sobre “chave mestra” e “porta inútil”.

O que vemos nas redes hoje não é mera “opinião impopular”: é a expressão da falência emocional de uma geração de homens que foram educados para dominar, não para sentir. Eles cresceram acreditando que ter pênis era sinônimo de ter controle, de ter poder, de ter acesso automático ao sucesso, ao respeito e ao prazer. Mas aí veio a vida , dura, imprevisível, igualitária nas frustrações , e mostrou que nada disso era garantido.

E quando a realidade não condiz com o roteiro vendido pela masculinidade tóxica, eles não sabem o que fazer com a dor. A sociedade os ensinou a serem provedores, guerreiros, indestrutíveis. Mas não os ensinou a lidar com fracassos, rejeições, inseguranças, perdas. Não os ensinou que chorar é humano, que conversar é saudável, que pedir ajuda não é sinal de fraqueza.

A violência como linguagem

Por isso, tantos homens recorrem à violência , física ou simbólica , como forma de se sentirem vivos, importantes, dominantes. Porque é a única linguagem emocional que aprenderam. Se não conseguem se impor pela inteligência, tentam pelo grito. Se não conseguem amor, tentam pelo medo. Se não conseguem respeito, tentam pelo deboche. E fazem isso com risadas, vídeos virais, discursos pseudofilosóficos sobre “a mulher moderna que ninguém quer”, enquanto choram por dentro e culpam as portas que não se abriram por não saberem usar a própria chave.

A masculinidade frágil se esconde atrás de bordões como “imbrochável”, mas a necessidade de dizer isso em voz alta revela justamente o oposto: a insegurança, a performance, o desespero por autoafirmação. O homem que precisa gritar que é homem já perdeu no silêncio.

O coach do fracasso

E aí entram os “coaches da virilidade”, esses gurus de internet que dizem o que os machistas frustrados querem ouvir: que a culpa é das mulheres, que o feminismo arruinou a ordem natural das coisas, que ser “alfa” é não se importar com ninguém além de si mesmo. São os chaveiros errados. Em vez de destrancar a porta da maturidade, emperram ainda mais a tranca da ignorância emocional.

Esses homens são seguidores fiéis de uma analogia furada. Falam da tal "chave mestra" que abre todas as portas, mas esquecem que chave mestra só existe em filme barato. Na vida real, uma chave precisa ser moldada com paciência, com precisão, com introspecção. E muitos deles são só isso: um monte de chave mal feita, sem encaixe, culpando as portas por sua inutilidade.

Não abrem corações, não abrem amizades sinceras, não abrem diálogos, não abrem mão de serem escrotos. E ainda querem que o mundo se dobre à sua incompetência emocional.

A solução não é a academia. É a terapia.

Eles confundem virilidade com músculos. Acham que o “chaveiro” que precisam é o da academia. Mas o verdadeiro chaveiro é o psicólogo. O terapeuta. O profissional que vai ensinar a lidar com o que há dentro, e não apenas com o que aparece no espelho. Mas para isso é preciso coragem. E coragem mesmo , de verdade , não é andar sem camisa na internet nem levantar 100kg no supino. Coragem é sentar numa cadeira, encarar seus traumas e admitir: “eu fui criado de forma machista, e isso está me destruindo”.

Enquanto essa coragem não vem, o mercado do ódio continua lucrando. Homens mal resolvidos continuam rendendo likes, superchats e seguidores para gurus do fracasso. E mulheres continuam sendo alvo de humilhações, abusos e violência simbólica porque ousaram ser livres.

O desafio é coletivo

Esse problema não é só dos homens. Ele contamina tudo. Afeta os relacionamentos, o ambiente de trabalho, a educação das crianças, a saúde mental de todos. Porque viver num mundo onde homens não sabem lidar com seus sentimentos é viver num mundo onde o risco de agressão está sempre à espreita , às vezes em forma de tapa, às vezes em forma de post.

A masculinidade não precisa ser destruída. Ela precisa ser ressignificada. Precisa ser cuidada. Precisa ser reformada. E para isso, não adianta seguir coach. Tem que procurar o chaveiro certo. O chaveiro terapêutico.

Se você é homem e chegou até aqui: tenha coragem pela primeira vez na vida. Busque ajuda. Conserte sua chave. Antes que joguem fora. Antes que você mesmo se torne apenas mais uma peça quebrada na engrenagem do ódio.

Trago Fatos , Marília Ms.

Comentários

Matérias + vistas