O manual da masculinidade tóxica: como cursos de “sedução” estão formando agressores emocionais disfarçados de homens de sucesso
Vivemos em uma era onde a informação circula com rapidez assustadora , e com ela, também o veneno. Disfarçados de mentores, influenciadores, coaches ou "alfas", um grupo de homens vem construindo verdadeiras seitas modernas de manipulação emocional, vendendo a misoginia como método de conquista. Não estamos mais falando de mensagens escondidas em fóruns obscuros da internet. Essas ideias circulam abertamente nas redes sociais, são embaladas em vídeos com trilhas motivacionais e vendidas como "cursos" para ensinar homens a se tornarem "irresistíveis". A que custo? O da dignidade feminina, da integridade emocional, da empatia. E mais: o custo de uma geração inteira de meninos que cresce acreditando que amar é dominar.
O caso do Millionaire Social Circle é um exemplo emblemático , e revoltante. Com o discurso de ensinar “como pegar mulher”, o grupo oferece mentorias e pacotes de viagem que funcionam como campo de treinamento para a manipulação emocional. Os alunos aprendem, entre outras coisas, a fazer com que a mulher se sinta insegura após se relacionar com eles, a falar de outras mulheres propositalmente, e a plantar dúvidas constantes para minar a autoestima feminina. A mulher, nesse script podre, deve ser colocada em posição de inferioridade para que o homem se sinta no controle.
Mas o horror não para aí.
Esses mesmos homens organizam viagens internacionais com seus “alunos” para países economicamente vulneráveis. A justificativa? Mulheres de regiões mais pobres seriam mais fáceis, mais acessíveis, mais "desejosas de atenção" , como se fossem mercadorias em liquidação. A linha entre turismo sexual e abuso de poder econômico é ultrapassada sem qualquer constrangimento. Eles naturalizam a ideia de que a desigualdade social é um facilitador para o assédio. Tudo isso empacotado e vendido como parte da “formação do homem de sucesso”.
Em São Paulo, chegaram a organizar uma festa no Morumbi com o pretexto de ser um evento de networking. Na prática, era um laboratório social onde os participantes colocariam em ação as táticas perversas ensinadas nos cursos: ignorar a mulher para depois valorizá-la, fazer elogios ambíguos, manter conversas que induzem à comparação, ao ciúme e à instabilidade emocional. O objetivo final? Que a mulher se torne dependente emocionalmente daquele que a despreza.
E o mais assustador: esses discursos ganham palanque.
Eles se espalham nas redes com milhares de curtidas, repostagens, seguidores fiéis. São alavancados por algoritmos que premiam a polêmica, que valorizam o engajamento a qualquer preço, mesmo que esse preço seja o esfacelamento das relações humanas. São poucos os momentos em que a sociedade se dá conta do estrago , e, geralmente, só reage quando o dano já foi causado: quando há uma denúncia, uma violência explícita, um suicídio, uma reportagem chocante.
Enquanto isso, uma geração inteira de meninos está sendo educada por esses "mentores" de internet. Estão aprendendo que “amar é controlar”, que “conquistar é humilhar”, que “ser homem de verdade” é nunca demonstrar vulnerabilidade, é nunca respeitar a mulher como igual. Estão sendo formados para a guerra emocional. Uma guerra que deixa traumas, que alimenta o ciclo da violência, que destrói lares, relações, vidas.
Mas essa geração também é nossa responsabilidade.
É urgente perguntarmos: quem está educando nossos filhos? Quem está moldando os valores do seu irmão, do seu amigo, do garoto da escola, do colega de trabalho? Quando o Estado falha na educação, quando as famílias se omitem, quando a escola não dá conta, o vácuo é preenchido por esses personagens nefastos da internet. Personagens que lucram com a desinformação, com a misoginia, com o sofrimento alheio.
Não é sobre sedução. É sobre poder. É sobre abuso.
Esses cursos não ensinam a conquistar mulheres. Ensinam a fragilizá-las, a controlá-las, a moldá-las pelo medo. São guias práticos de violência emocional. São ferramentas para transformar homens comuns em agressores invisíveis. E o mais perigoso: são normalizados. E, pior, são rentáveis.
Essa realidade nos obriga a reagir. Denunciar. Educar. Contrapô-los com empatia, com exemplos, com informação de verdade. Masculinidade não pode ser sinônimo de opressão. Relacionamento não pode ser campo de guerra. Sedução não pode ser feita com base no sofrimento da outra pessoa.
Ser homem não é humilhar. É respeitar. É acolher. É crescer junto.
E isso, definitivamente, não se aprende em curso nenhum , se aprende com consciência, caráter e responsabilidade.
Trago Fatos , Marília Ms.
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