O espetáculo da pornografia disfarçado de lifestyle: o algoritmo não é vilão, é reflexo
Vivemos numa era em que os limites entre entretenimento e erotização foram completamente borrados. E mais grave do que isso: normalizados. Não é mais espantoso ver participantes de reality shows que trabalham com conteúdo adulto serem convocados com toda pompa e prestígio, como se vendessem transformação, quando na verdade vendem corpos. E tudo isso é embrulhado com laços de autoajuda, lágrimas de gratidão e discursos de superação que iludem multidões.
Enquanto isso, as redes sociais seguem inundadas de imagens explícitas, quase pornográficas, publicadas à luz do dia, em perfis verificados, com milhões de curtidas. As mesmas redes que bloqueiam conteúdos políticos ou educativos sob desculpa de “comunidade segura”, permitem que vídeos sugestivos, montagens sexuais, cenas simuladas de traição e escárnio religioso viralizem entre jovens, crianças e adultos como se fossem dicas de moda.
Isso não é culpa do algoritmo. O algoritmo é um espelho: ele reflete o que a sociedade quer ver, o que consome com frequência, o que interage com mais voracidade. Se há adesão, há entrega. E se há entrega, há reforço. Assim se constrói o império da pornografia deliberada travestida de conteúdo digital. O escândalo é rentável. A exposição é lucrativa. A polêmica vende.
Plataformas como o OnlyFans, por exemplo, existem para hospedar esse tipo de material — mas o que se vê é a infiltração desse conteúdo em espaços públicos e desprotegidos, como o Instagram, TikTok e Twitter/X, acessados diariamente por pessoas de todas as idades. E isso não é só sobre nudez ou erotismo. É sobre o que está por trás disso: a naturalização da traição como entretenimento, o uso de religião como piada recorrente, a marginalização de corpos que não se encaixam no padrão hipersexualizado e o estímulo de padrões de comportamento egoístas, performáticos e mercantis.
E o ciclo é previsível: o influenciador em questão publica um conteúdo polêmico, viraliza, recebe críticas, posta uma foto chorando, agradece a Deus pela “nova fase”, diz que está mais forte, que agora entendeu o propósito. Na semana seguinte, volta ao mesmo conteúdo que o impulsiona: sexo, escândalo e monetização da própria imagem. Reza na bio, mostra o terço no peito e na sequência posta um close da genitália com frases de superação.
O discurso de coach, de inspiração, de “mudei vidas” não convence. Porque se há uma vida que realmente mudou, foi a dele mesmo. E ainda assim, não por iluminação divina, mas por estratégia de mercado. Porque se sustenta justamente pelo volume de engajamento que gera ao servir o que as massas querem — mesmo que isso seja miséria ética e estética.
Pior ainda é quando esse tipo de influenciador se sente um “diretor”, um “líder de gerações”, um “modelo de inspiração”. Não passa de um aproveitador, que transformou a sexualização da própria imagem em indústria, a vulnerabilidade dos outros em audiência e a fé das pessoas em combustível para vender a própria marca.
E a sociedade, passiva, segue aplaudindo. Os patrocinadores seguem investindo. As plataformas seguem promovendo. As crianças seguem aprendendo. Os adolescentes seguem repetindo. Porque o sistema premia o que é fácil, o que choca, o que mexe com os instintos.
Não é censura pedir responsabilidade. Não é puritanismo pedir que pornografia tenha o lugar certo — e não o horário nobre do Instagram. O corpo não é pecado, mas a exploração dele como caminho fácil para fama e lucro é um problema social que estamos normalizando, e pior: estamos aplaudindo com a mesma mão que aponta o caos moral da nossa época.
O problema não é o algoritmo.
O problema é a humanidade que ele reflete.
Trago Fatos , Marília Ms.
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