O conto do príncipe europeu: um alerta para todas as brasileiras




Esse não é um caso isolado. É, na verdade, o reflexo perverso de uma estrutura social alimentada por estereótipos coloniais, racismo, misoginia e xenofobia. O que aconteceu com Bárbara Zandomênico Perito, brasileira vítima de calúnia, violência doméstica e difamação por parte do advogado e empresário italiano Nunzio Bevillacqua, não é apenas uma tragédia pessoal — é um espelho cruel de uma narrativa muito maior e mais silenciosa, que atravessa fronteiras e destrói vidas sob o disfarce do romance internacional.

A ilusão do charme europeu

Durante décadas, o imaginário coletivo vendeu a ideia do “príncipe europeu”. O homem culto, elegante, refinado, que traria segurança, sofisticação e amor para mulheres latinas , principalmente brasileiras , em busca de reconhecimento, respeito e uma vida melhor. A propaganda colonizadora, embalada em filmes, novelas, contos de fadas e redes sociais, ainda insiste em alimentar esse mito. Mas o que não se conta é que esse mesmo “príncipe” pode carregar uma carga de racismo velado, de abusos emocionais e de uma necessidade doentia de controle.

Muitos homens europeus, especialmente italianos, ainda veem as mulheres brasileiras como objetos exóticos e fáceis. Acreditam que podem conquistá-las com elogios baratos, promessas vazias e presentes que escondem suas reais intenções. Enxergam nelas a submissão idealizada, o corpo fetichizado, a cultura tropicalizada e subalterna que pode ser usada e descartada sem consequências. A mulher brasileira é muitas vezes reduzida à sua aparência, à sua “doçura”, ao seu “calor” , e quase nunca respeitada por sua autonomia, inteligência ou dignidade.

O caso Bárbara: da sedução ao pesadelo

A história de Bárbara começa como tantas outras: uma brasileira jovem, professora, independente, conhece um europeu charmoso que quer aprender sua língua. Em pouco tempo, a relação se intensifica, torna-se íntima, há viagens, envolvimento e, em seguida, a gravidez. E é aí que o encanto começa a se desfazer.

Nunzio Bevillacqua não só abandonou Bárbara como tentou apagar sua existência e a da filha. Propôs aborto, negou a paternidade , mesmo com DNA positivo , e, o mais grave, lançou sobre ela acusações bizarras, grotescas e profundamente ofensivas. Afirmou que Bárbara participava de uma seita satânica, que engravidava de líderes ocultos para dar à luz “crianças sobrenaturais” e extorquir dinheiro de europeus. Uma fantasia insana, mais próxima de roteiro de filme trash do que da realidade, mas que foi amplamente repercutida pela imprensa italiana.

Calúnia, misoginia e a máquina europeia de descredibilização

Essas acusações, embora absurdas, não são aleatórias. Elas seguem um padrão clássico da misoginia institucionalizada: desmoralizar a mulher, desumanizá-la, transformá-la em ameaça. É a tentativa de inverter o papel da vítima e do agressor, colocando-a como manipuladora, criminosa, louca. Isso serve não apenas para o agressor se esquivar de responsabilidades , como pensão, cuidados parentais, reputação , mas também para alimentar o ódio xenófobo e racista contra as mulheres latinas que ousam ocupar espaço na Europa.

A violência sofrida por Bárbara não foi apenas física ou emocional. Foi simbólica, midiática e política. E foi potencializada pelo fato de ela ser brasileira, mulher, latina, imigrante, mãe solo. Elementos que, no imaginário racista de muitos setores da elite europeia, ainda são vistos como inferiores, descartáveis ou passíveis de manipulação.

A falácia da “trajetória ilibada” do europeu branco

O caso também expõe uma grave assimetria: enquanto Bárbara teve sua vida devassada, julgada e exposta, Nunzio se escondeu atrás do silêncio e da impunidade. Recusou-se a comentar, fugiu da responsabilidade e, até o momento, não pagou pelas consequências de seus atos. Isso nos obriga a questionar por que tantos desses homens — muitas vezes ricos, influentes, “bem relacionados” , são tratados com tanto cuidado pelas instituições europeias e mesmo pela mídia, enquanto as mulheres que denunciam são desacreditadas, silenciadas ou ridicularizadas.

O alerta que precisa ser ouvido

O recado aqui não é xenofóbico, tampouco moralista. Mas é urgente. Que sirva de alerta para milhares de brasileiras que acreditam estar vivendo uma história de amor com estrangeiros que, muitas vezes, só enxergam nelas um passaporte para o prazer, o domínio e o abuso. Não estamos falando de um ou dois casos. Estamos falando de um padrão.

Muitos desses homens europeus vêm ao Brasil com o objetivo de explorar não só financeiramente, mas emocional e psicologicamente mulheres em situação de maior vulnerabilidade. Usam o peso do dinheiro, do passaporte europeu e da imagem de “homem culto” para seduzir, dominar e depois desaparecer. Em alguns casos, voltam ainda para caluniar, difamar e destruir o que restou da dignidade daquelas que ousaram resistir.

Não se cale. Não se esconda. Não romantize o abuso.

Falar sobre esse assunto é urgente. É necessário denunciar, expor, buscar apoio jurídico e emocional. É preciso proteger outras mulheres, outras meninas, de caírem na armadilha do “conto do príncipe europeu”.

A história de Bárbara é uma denúncia que precisa ecoar. Mas é também um chamado à resistência e à sororidade. Para que nenhuma mulher precise passar por isso sozinha. Para que os encantos coloniais deixem, enfim, de ter poder sobre nossos corpos, nossas narrativas e nossas vidas.

Trago Fatos , Marília Ms .

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