O Brasil precisa de uma política industrial cinematográfica soberana, o audiovisual como ferramenta de identidade nacional
O audiovisual é mais que entretenimento. É indústria. É geração de emprego. É cadeia produtiva. É economia criativa. É projeção internacional. Mas, sobretudo, é identidade. Quando um país conta sua própria história com seus próprios olhos e sotaques, ele planta raízes, resiste à homogeneização cultural global e afirma sua presença no mundo. E o Brasil precisa desesperadamente disso.
O colonialismo digital e o apagamento cultural
Hoje, nosso imaginário coletivo é moldado quase exclusivamente por algoritmos desenhados fora do país. Plataformas como Netflix, Amazon Prime Video, Disney+ e tantas outras decidem o que vemos, o que consumimos e como enxergamos o mundo. O conteúdo majoritário dessas plataformas é estrangeiro, com valores, referências e estéticas que não nos pertencem. Isso não é intercâmbio cultural , é colonização.
E o mais grave: o streaming, enquanto bilionária engrenagem de distribuição e capital, ainda não contribui proporcionalmente com a produção nacional. Produzem-se novelas fora, vendem-se filmes dublados aqui, mas não há contrapartida obrigatória para investir no nosso cinema, na nossa dramaturgia, nos nossos diretores e técnicos, nos nossos roteiristas, nas nossas realidades.
Fernanda Montenegro e o chamado à responsabilidade
Fernanda Montenegro, a maior atriz brasileira viva, não está apenas se posicionando , está dando o exemplo. Ela que já foi indicada ao Oscar, premiada em Cannes, Berlim, Veneza, e reverenciada por onde passa, poderia simplesmente se calar. Mas escolheu ser militante da cultura. Ela nos convoca a um debate crucial: ou criamos um projeto de cinema brasileiro com suporte de Estado, ou nos perderemos entre os escombros de um mercado que nos trata como irrelevantes.
Sua defesa da regulamentação do streaming ecoa o que países como França, Canadá, Coreia do Sul e Argentina já fizeram: impor cotas de conteúdo nacional nas plataformas, exigir investimento mínimo em produções locais, e garantir que parte da receita gerada pelo consumo de conteúdo no país seja reinvestida em nossa indústria cultural.
Não é censura. É soberania cultural.
Regulamentar não é cercear. Não é proibir. Não é controlar narrativas. É o oposto disso: é garantir que todas as narrativas possam existir. Que o Brasil profundo , das favelas, dos sertões, dos pampas, das aldeias, dos interiores e das metrópoles , também tenha direito à tela. Que nossas histórias não sejam reféns do gosto estrangeiro ou do algoritmo que decide quem merece ser visto.
A cultura como política de Estado
Uma política industrial para o cinema brasileiro é urgente. Assim como há incentivo para a indústria automotiva, para o agronegócio, para a tecnologia, também deve haver para o audiovisual. E isso começa com fundo público robusto, investimento contínuo, valorização de talentos locais e políticas de incentivo que estimulem desde a formação até a distribuição de conteúdo.
Somos capazes de produzir obras como Cidade de Deus, Que Horas Ela Volta?, Central do Brasil, Bacurau, Marte Um, O Som ao Redor, Carandiru, Tropa de Elite, Aquarius, Lixo Extraordinário. Nossa assinatura estética é reconhecida internacionalmente. Nossos filmes já venceram Cannes, Berlim, Veneza e o BAFTA. Mas isso não se sustenta com migalhas, nem com instabilidade política. Cultura não pode ser plano B de governo , precisa ser pilar de projeto de nação.
O futuro do audiovisual é agora
O futuro do audiovisual brasileiro depende de decisões políticas tomadas no presente. O Congresso Nacional discute hoje a regulamentação do streaming por meio de projetos de lei como o PL 8889/17 e o PL 2331/22. A pressão do lobby das grandes plataformas é imensa , e sua propaganda contra a regulação vem embalada em um discurso de “liberdade de mercado” que, no fundo, visa proteger lucros e manter o Brasil como mero consumidor passivo.
Fernanda Montenegro já fez sua parte. Cabe a nós , artistas, produtores, críticos, jornalistas, professores, estudantes, cidadãos , transformar esse chamado em ação. Precisamos proteger nossa soberania cultural. Precisamos investir em nossa arte. Precisamos regulamentar o streaming. E, acima de tudo, precisamos acreditar que nossas histórias valem a pena ser contadas. Porque se o Brasil não contar o Brasil, alguém de fora contará , e nunca será a mesma coisa.
Trago Fatos , Marília Ms.
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