O Brasil no centro do mundo: a ousadia do IBGE e a geopolítica do imaginário
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou, no dia 7 de fevereiro, uma nova versão do mapa-múndi. Invertido e com o Brasil ocupando o centro da imagem, o mapa foi divulgado nas redes sociais pelo presidente do instituto, Márcio Pochmann. A mudança, que também já havia sido sinalizada com a publicação do novo Atlas Geográfico Escolar em 2024, causou polêmica. Para alguns, trata-se de uma atitude arrogante, nacionalista e desnecessária; para outros, é um gesto simbólico poderoso de reposicionamento geopolítico e simbólico do Brasil no mundo.
Mas o que significa, de fato, colocar o Brasil no centro do mapa? E por que isso incomoda tanto?
A cartografia não é neutra
O primeiro ponto a ser compreendido é que mapas não são simples representações da realidade. Eles são construções culturais, políticas e ideológicas. A projeção mais comumente usada no Ocidente, a de Mercator, foi criada no século XVI para facilitar a navegação marítima europeia , e, por consequência, reforçar a centralidade da Europa no mundo. Ao longo dos séculos, essa projeção se consolidou como padrão, com o Norte “para cima”, a Europa no centro, e os países do Sul Global , incluindo o Brasil , nas margens inferiores do mapa.
Reverter isso, colocar o Sul para cima ou o Brasil no centro, não é “distorcer a realidade”, como muitos argumentaram nas redes sociais. É questionar uma convenção eurocêntrica que naturalizamos como única verdade. Afinal, não há um “cima” ou “baixo” absoluto no globo terrestre. A Terra é uma esfera , e onde colocamos o Norte ou o centro do mundo é uma escolha política e simbólica.
O gesto do IBGE: ousadia ou oportunismo?
Ao lançar um novo mapa com o Brasil no centro, o IBGE fez um gesto de afirmação simbólica que vai além da cartografia. Trata-se de uma tentativa de reposicionar o país num cenário global em mudança. Em um mundo multipolar, no qual os países do Sul têm buscado mais protagonismo, colocar o Brasil no centro do mapa é afirmar que não somos periferia: somos parte ativa, pensante e estratégica das decisões globais.
O momento não poderia ser mais oportuno. O Brasil está na presidência do G20, é protagonista no BRICS, integra o Mercosul e será sede da COP 30 em 2025, em Belém. Há, portanto, um movimento concreto de reinserção diplomática do Brasil no cenário internacional. O novo mapa busca dar uma imagem visual e simbólica a esse movimento. É marketing político? Também. Mas é, acima de tudo, disputa de narrativa.
As reações: por que tanta polêmica?
A publicação do novo mapa gerou reações intensas nas redes sociais. Houve quem ironizasse a mudança como “delírio ufanista”, “brasilcentrismo inútil” ou “versão bolivariana do IBGE”. Outros defenderam a iniciativa como pedagógica e disruptiva. A verdade é que qualquer ação que questione padrões hegemônicos sempre gera desconforto. E a reação violenta de parte do público revela o quanto ainda estamos colonizados em nossa forma de ver , literalmente , o mundo.
Curiosamente, quando países como Austrália ou China publicam mapas com suas nações ao centro, há pouca comoção. Mas quando o Brasil ousa fazer o mesmo, surgem acusações de “complexo de vira-lata ao contrário”. Talvez o incômodo esteja justamente aí: na quebra da expectativa de subalternidade. É como se estivéssemos dizendo, em voz alta: "O Brasil também importa. O Brasil também centraliza."
Educação, identidade e soberania
É importante destacar o valor pedagógico dessa proposta. Ao atualizar o Atlas Geográfico Escolar com o Brasil no centro, o IBGE propõe que nossos estudantes passem a olhar o mundo sob uma perspectiva mais autônoma. A geografia é uma ferramenta de empoderamento simbólico. Ver-se no centro de um mapa pode parecer irrelevante à primeira vista, mas tem profundo impacto na construção da identidade e da autoestima nacional.
Trata-se de um convite a desconstruir o olhar colonizado que nos ensina, desde pequenos, que somos margem, quintal, rodapé do planeta. Reposicionar o Brasil nos mapas é também uma forma de nos reposicionarmos no debate internacional sobre clima, economia, cultura e ciência.
Conclusão: o mapa como manifesto
O novo mapa do IBGE não é apenas uma imagem. É um manifesto. Um chamado para repensarmos nosso lugar no mundo. Em vez de nos ofendermos por estar no centro, deveríamos nos perguntar por que demoramos tanto a nos colocar lá. A mudança não apaga a realidade geográfica , ela redefine o olhar. E talvez seja exatamente disso que o Brasil precisa: parar de aceitar os mapas que nos foram impostos e começar a desenhar os nossos.
Colocar o Brasil no centro do mapa é, portanto, um gesto de imaginação política. Porque antes de mudar o mundo, é preciso mudar a forma como o vemos. E essa mudança começa, muitas vezes, com algo tão simples , e tão poderoso , quanto um mapa.
Trago Fatos , Marília Ms .
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