Nikolas Ferreira e o preço do discurso de ódio: quando a imunidade parlamentar não é salvo-conduto para a transfobia
Em um país em que a transfobia mata com requintes de crueldade e se disfarça de opinião nas tribunas do poder, a recente condenação do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) representa muito mais do que uma simples decisão judicial, ela é um marco simbólico de que a dignidade humana ainda pode prevalecer sobre o populismo barato e o escárnio institucionalizado. A sentença que o obriga a pagar R$ 200 mil por danos morais, proferida após uma ação movida pela Aliança Nacional LGBTI+ e pela Associação Brasileira de Famílias Homoafetivas, é uma resposta clara: o Congresso não pode ser palanque para o ódio.
O caso não é desconhecido da opinião pública. Em pleno Dia Internacional da Mulher, o deputado decidiu zombar da existência de mulheres trans ao vestir uma peruca loira no plenário da Câmara e se apresentar como “Deputada Nikole”. O gesto , ridículo e simbólico , escancarou o tipo de política que alguns parlamentares têm promovido: uma política que não se baseia em propostas, mas em ataques. Em vez de usar sua visibilidade para representar, Nikolas escolheu caricaturizar, ferir e menosprezar , tudo sob o escudo da imunidade parlamentar.
A juíza responsável pelo caso foi direta: não se tratou de liberdade de expressão, mas de um “verdadeiro discurso de ódio”. Um ataque que extrapolou os limites do razoável e adentrou o campo do desrespeito institucional à dignidade humana. Ao usar ironia e teatralidade para deslegitimar identidades trans, Nikolas não apenas ofendeu: ele incitou a violência. Porque, quando um deputado federal faz troça de um grupo já massacrado diariamente nas ruas, nas escolas e nos hospitais, ele valida o preconceito e endossa a exclusão.
E aqui está o ponto crucial do debate: liberdade de expressão não é , e nunca foi , liberdade para humilhar. Em um Estado democrático, os direitos fundamentais coexistem em equilíbrio, e a dignidade da pessoa humana não pode ser subordinada à opinião alheia. A imunidade parlamentar foi criada para proteger o exercício livre do mandato, e não para proteger parlamentares de suas próprias irresponsabilidades morais. Quando essa imunidade é usada como escudo para propagar discursos que reforçam a marginalização, ela deixa de ser ferramenta democrática e passa a ser instrumento de opressão.
É necessário dizer em alto e bom som: o que Nikolas Ferreira fez não foi piada, nem sátira política. Foi transfobia. Travestida de “brincadeira”, seu discurso teve efeitos reais, reforçando estereótipos e aumentando o abismo social que separa as pessoas trans do direito à vida plena. Não se trata de censura, mas de responsabilização. E é isso que a sentença representa: a ideia de que até mesmo aqueles que ocupam os mais altos cargos públicos devem responder quando escolhem atacar em vez de construir.
A condenação, que ainda cabe recurso, é uma vitória jurídica, sim , mas sobretudo moral. Para cada pessoa trans que já teve sua identidade deslegitimada por uma piada infeliz, para cada família que enterrou um filho ou filha vítima de transfobia, para cada militante que resiste diariamente aos retrocessos, esta decisão é um alento. Um recado claro de que o Brasil não pode mais tolerar discursos que naturalizam o preconceito em nome de supostos valores.
Nikolas Ferreira, ao se escudar em argumentos frágeis como "liberdade de opinião", revela mais sobre sua visão de mundo do que sobre a Constituição. Sua postura , e a de tantos outros que o aplaudiram , evidencia o quanto ainda precisamos caminhar para que o Parlamento seja um espaço de pluralidade e respeito, e não de escárnio e marginalização.
Mais do que um julgamento, este episódio deve ser um ponto de inflexão. Porque cada vez que um político decide ridicularizar a existência de uma minoria, a democracia adoece. E quando a Justiça se levanta para lembrar que palavras também matam, reacende-se a esperança de que o Brasil ainda pode ser um país para todos , inclusive para quem veste peruca, não por deboche, mas por verdade.
Trago Fatos , Marília Ms.
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