Milton Coelho de Carvalho: o herói que Sergipe esqueceu
Enquanto o Brasil se emociona com a história de Rubens e Eunice Paiva, eternizada no filme Ainda Estou Aqui, milhares de outras famílias seguem na sombra do esquecimento. Famílias que também foram estraçalhadas pelo regime militar, cujas dores ainda ecoam sem resposta, sem justiça, sem memória. Em Sergipe, esse silêncio tem nome, rosto e história: Milton Coelho de Carvalho.
Milton não foi apenas mais uma vítima. Ele foi arrancado de casa por agentes da ditadura, mantido ilegalmente preso por cinquenta dias no 28º Batalhão de Caçadores. Lá, sofreu torturas brutais. Foi espancado, humilhado e teve a retina deslocada durante as sessões de violência. Perdeu a visão não por doença ou destino, mas pelas mãos do Estado brasileiro. Um crime que jamais foi punido.
Petroleiro, comunista, militante. Fundador do Partido Comunista Brasileiro em Sergipe, Milton foi um dos alvos da Operação Cajueiro, em 1976, que perseguiu sistematicamente lideranças políticas da esquerda sergipana. Sobreviveu, mas nunca foi o mesmo. Carregou no corpo e na alma as marcas da repressão, mas jamais perdeu a coragem de falar. E falou.
Diante da Comissão da Verdade, fez o que sempre fez: denunciou. E lembrou à sociedade sergipana que esquecer o passado é abrir as portas para que ele volte. “É preciso que sejam debatidos os fatos passados [...] para que se criem condições democráticas e que, assim, não haja reversão no clima de democracia que estamos vivenciando hoje”, afirmou em tom firme, lúcido e urgente.
Milton morreu em abril de 2024, aos 82 anos. Morreu com a dignidade intacta e com a democracia como causa final. Mas também morreu sem ver seu nome reconhecido nas ruas da capital que ajudou a libertar. Aracaju, a cidade onde militou e resistiu, ainda não lhe dedicou sequer uma praça, uma escola, um marco de memória.
E isso diz muito. Enquanto isso, seguimos convivendo com avenidas, colégios e edifícios públicos que homenageiam governadores cúmplices da ditadura. Homens que, enquanto Milton era torturado, assinavam decretos, silenciavam as denúncias e apertavam as mãos dos algozes.
A omissão é política. A negligência é histórica. A reparação é urgente.
Assim como Rubens Paiva foi homenageado em 1986 com uma praça em Aracaju , durante a gestão de Jackson Barreto , Milton Coelho também precisa ser eternizado. É o mínimo. É o justo. É o certo.
Sergipe não pode seguir ignorando os que deram tudo pela democracia. Não há democracia sem memória. E não há memória verdadeira enquanto os nomes dos que resistiram continuam apagados.
Milton Coelho de Carvalho merece ser lembrado não como vítima, mas como símbolo. Símbolo de um povo que não se cala. De um Brasil que não esquece. De uma democracia que só é real quando reverencia quem lutou para que ela existisse.
Trago Fatos , Marília Ms.
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