Matemática no Brasil: o fracasso silencioso que perpetua desigualdades
No dia 6 de maio, o Brasil comemorou o Dia da Matemática , ou pelo menos tentou. A data, que deveria ser celebrada como uma oportunidade de refletir sobre a importância dessa ciência no desenvolvimento lógico, social e econômico de um país, escancarou, na verdade, o abismo educacional em que estamos mergulhados. Uma reportagem recente do G1 trouxe dados alarmantes: menos da metade das crianças brasileiras no quarto ano do ensino fundamental consegue resolver problemas matemáticos simples. E não estamos falando de logaritmos ou equações diferenciais. Estamos falando de saber que 3 x 9 = 27.
A matéria citou o desempenho brasileiro no TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study), uma avaliação internacional aplicada em 2024. O resultado foi desastroso. Crianças de nove anos não souberam responder perguntas que exigiam apenas habilidades básicas de multiplicação, subtração e uso de régua. O exemplo de Amanda, que digitou 663 em vez de 963 numa calculadora e precisava corrigir o erro, revelou uma verdade cruel: nossos estudantes não apenas não dominam operações, como não sabem interpretá-las no cotidiano.
Educação matemática: entre o despreparo e o desprestígio
A explicação para esse colapso não é simples, mas é clara. Ela começa na base: a formação do professor. A carreira de educador no Brasil está entre as menos valorizadas social e economicamente. A alta carga de trabalho, salários baixos, falta de estrutura e de apoio contínuo tornam a licenciatura em matemática uma escolha pouco atraente. E os melhores candidatos? Preferem cursos com maior prestígio e retorno financeiro, como engenharia, ciência da computação ou economia. Resultado: os cursos de licenciatura em matemática mais buscados são também os mais sucateados. E quem se forma neles, geralmente sem preparo técnico-pedagógico adequado, acaba sendo destinado às escolas públicas das periferias e zonas rurais . aquelas que, ironicamente, mais precisariam de um ensino de excelência.
A matemática como espelho da desigualdade
A matemática, como poucas outras disciplinas, tem um caráter cumulativo. Quem não aprende a somar, não aprende a multiplicar. Quem não domina a multiplicação, não entende uma equação. E assim, o déficit de aprendizado vai se arrastando por anos, criando adultos funcionalmente analfabetos em números, incapazes de compreender uma taxa de juros, um orçamento familiar ou até mesmo calcular o troco no mercado.
E é aqui que entra a crítica estrutural. Não é apenas sobre ensinar matemática . é sobre como o fracasso no ensino dessa disciplina contribui diretamente para o ciclo de pobreza. Uma criança que não entende números tem menos chance de concluir o ensino médio, entrar em uma faculdade, disputar boas vagas no mercado de trabalho ou mesmo empreender com consciência financeira. Ao negligenciar a matemática, o Brasil condena gerações inteiras à exclusão econômica.
Não é falta de capacidade , é ausência de política pública
Não é justo nem verdadeiro dizer que as crianças brasileiras não têm capacidade de aprender matemática. A deficiência não está no aluno, mas no sistema. Quando você coloca uma criança em uma sala com 40 colegas, um professor mal remunerado, sem formação continuada, usando materiais ultrapassados e pressionado por metas que medem quantidade e não qualidade, o fracasso é previsível. E pior: quando o Estado insiste em políticas públicas genéricas e campanhas midiáticas esporádicas, mas se recusa a investir de forma real e contínua na valorização do professor e no currículo escolar, a tragédia se repete ano após ano.
Matemática não é só conta , é cidadania
Entender matemática não é apenas saber fazer contas. É entender lógica, argumentação, proporção, estatística, finanças. É ter autonomia para lidar com a vida. Quando uma criança aprende a interpretar um gráfico ou entender a diferença entre porcentagem e valor absoluto, ela está se preparando para não ser enganada, para questionar, para pensar com clareza. Ou seja, ensinar matemática é ensinar cidadania.
A matemática no Brasil está em crise. E essa crise não é silenciosa , ela grita nos boletins vermelhos, nos sonhos adiados e nos salários baixos. O Dia da Matemática deveria ser um lembrete: ou reformamos com urgência nossa política educacional, ou continuaremos colhendo uma sociedade que não sabe calcular seu próprio futuro.
Que fique o alerta: o fracasso em ensinar matemática hoje é a fórmula perfeita para o fracasso do Brasil amanhã.
Trago Fatos , Marília Ms .
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