Interromper mulheres é mais comum do que parece. Mas tem uma resposta que muda o jogo.
Imagine a cena: uma mulher começa a falar em uma reunião. Expõe um ponto com segurança. E, no meio da frase, é interrompida. Um homem “complementa”, muda o rumo da conversa ou simplesmente repete o que ela já havia dito , mas agora com aplausos. Essa cena é comum. Tão comum que muitas vezes passa despercebida. Mas não deveria. Porque ela revela mais do que um descuido social: revela uma cultura sistemática de silenciamento.
Interromper mulheres não é um ato isolado, casual ou inofensivo. É uma prática coletiva, profundamente enraizada, que comunica uma mensagem clara: “a sua fala importa menos”. E essa mensagem é repetida diariamente nos mais diversos espaços , do ambiente corporativo ao círculo familiar, da sala de aula ao Congresso Nacional. Se quisermos entender por que ainda lutamos por igualdade de gênero, o ponto de partida pode ser esse: as mulheres ainda precisam lutar para serem ouvidas.
“Mansplaining” é um termo que nasceu do incômodo real e recorrente de milhares de mulheres. Derivado da junção das palavras inglesas “man” (homem) e “explaining” (explicando), descreve exatamente o que parece: quando um homem explica algo para uma mulher de maneira condescendente, mesmo que ela seja mais experiente, mais qualificada, ou simplesmente já saiba do que está falando. É um gesto que carrega arrogância, paternalismo e, principalmente, desigualdade de poder.
Esse comportamento, muitas vezes, é disfarçado de “ajuda”, “interesse” ou “contribuição para o debate”. Mas a realidade é que ele mina o protagonismo feminino. Ele interrompe processos criativos. Ele rouba créditos. Ele constrói uma narrativa onde o homem aparece como figura racional e esclarecida , e a mulher, como aprendiz ou figurante.
Pior: há quem ache isso normal. Afinal, fomos educados assim. Desde cedo, os meninos aprendem que podem ocupar espaço, que devem liderar, que precisam ser ouvidos. As meninas, por outro lado, são ensinadas a “esperar sua vez”, a “não interromper”, a “ser educadas”. Resultado? Homens interrompem. Mulheres se calam.
O silêncio imposto às mulheres tem efeitos profundos. Não se trata apenas de uma questão de boas maneiras. Trata-se de poder. Quem fala, influencia. Quem cala, obedece. E por isso calar uma mulher é um ato político. É uma forma de tirar dela a autoridade, o espaço, a legitimidade de existir como sujeito pensante.
Diversas pesquisas já mostraram que mulheres são interrompidas com muito mais frequência que homens , inclusive por outras mulheres, como resultado de um condicionamento social. Em ambientes corporativos, elas precisam falar mais para serem ouvidas. E quando demonstram assertividade, são tachadas de “agressivas”. Já os homens, quando impõem suas ideias, são vistos como “líderes natos”.
Essa lógica perversa faz com que muitas mulheres se autocensurem. Duvidem de si mesmas. Evitem reuniões. Parem de tentar. E isso gera um ciclo de exclusão que alimenta o abismo entre gêneros.
Mas há uma resposta poderosa , e ela começa com uma frase simples:
“Desculpa, eu ainda não terminei de falar.”
Não precisa gritar. Não precisa se justificar. Basta se posicionar com firmeza. Essa frase, quando dita com segurança, devolve à mulher aquilo que lhe tentaram tirar: o direito de existir plenamente em um diálogo.
É também uma forma de educar. De forçar o outro a perceber o que estava invisível. De mostrar que respeito não é gentileza , é obrigação.
Mais do que isso: é uma forma de furar a bolha da impunidade cultural. De colocar um espelho diante do comportamento machista e dizer: “eu vejo o que você está fazendo, e não aceito mais.”
Se queremos construir uma sociedade realmente justa, o primeiro passo é garantir que todas as vozes tenham espaço , não só as mais altas, mas as que historicamente foram abafadas.
Respeitar a fala de uma mulher é mais do que boa educação: é uma exigência ética, democrática e urgente. Não se trata apenas de permitir que ela conclua uma frase. Trata-se de reconhecer o valor de sua existência, de sua inteligência, de sua contribuição.
Chega de sorrir constrangida quando for interrompida.
Chega de achar que é exagero.
Chega de pedir desculpas por existir em voz alta.
Porque não há avanço real enquanto mulheres ainda tiverem que levantar a voz para não serem apagadas.
E não há igualdade possível enquanto interromper uma mulher for socialmente mais aceitável do que ouvir o que ela tem a dizer.
Trago Fatos, Marília Ms.
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