Heleninha recaiu, e não foi por mimo: foi porque ela é uma alcoólatra em luta constante
Assistir Vale Tudo em pleno 2025 pode parecer um retorno ao passado, mas, na verdade, é uma forma brutal e sincera de olhar para muitas feridas que ainda não sabemos tratar direito no presente. Quando Heleninha, uma das personagens mais marcantes da novela, recai no vício do álcool após uma frustração amorosa, a reação popular é rápida e cruel: "Ela é mimada", "Sempre teve tudo", "Bebe porque quer chamar atenção". Mas essa análise superficial e reducionista diz mais sobre o despreparo coletivo em lidar com doenças emocionais do que sobre a personagem em si.
Heleninha não bebe porque é fraca. Heleninha não recai porque é dramática. Heleninha bebe porque é doente. E o nome dessa doença, que muita gente finge que não existe ou que só acomete gente pobre e largada, é alcoolismo , uma doença crônica, progressiva e, sim, democrática no pior sentido da palavra: ela não escolhe cor, gênero, classe social ou número de seguidores no Instagram.
A cena é emblemática. Heleninha está em uma exposição de arte, tentando reerguer sua vida, construir pontes consigo mesma, buscando sentido nas cores, nos quadros, no diálogo com o mundo ao seu redor. E então, como num tropeço que precede um tombo sem freio, ela descobre que o homem por quem se interessava está casado. Para quem vê de fora, pode parecer pouco. "Era só um crush", "Ela nem conhecia ele direito", "Supera, mulher!". Mas para quem vive tentando sobreviver à abstinência, às memórias, aos impulsos, qualquer dor vira abismo.
E se você acha exagero, olha pra sua própria vida: quantas vezes você já se permitiu "só um copinho" depois de um dia ruim? Quantas vezes o cansaço virou desculpa pro vinho? Quantas vezes a frustração no trabalho virou motivo pra encher a cara no fim de semana? A diferença entre você e a Heleninha não é o motivo pelo qual se bebe. A diferença é que ela tem uma doença diagnosticada, e você ainda acha que controla.
A romantização do álcool é diária, banalizada e onipresente. Ele está nos comerciais, nas novelas, nos brindes, nas comemorações, nas "esquecidas". E ao mesmo tempo, a estigmatização do alcoólatra é cruel e imediata. O bêbado é visto como sem caráter, como quem não tem força de vontade. O dependente é tachado de irresponsável, de vergonha da família. Mas ninguém vê o desespero em cada recaída. Ninguém escuta os gritos silenciosos por ajuda. Ninguém acolhe , só julga.
Chamar Heleninha de mimada porque recaiu é invalidar toda a luta invisível que milhares de pessoas enfrentam diariamente contra um vício. É reduzir uma doença a um comportamento. É dizer que o problema está no caráter, quando na verdade está na química cerebral, no histórico familiar, nos traumas mal resolvidos, na solidão que ninguém vê.
Heleninha precisava de suporte, não de julgamento. Precisava de acolhimento, não de apontamento. Porque ninguém se cura com vergonha na cara. A cura , quando possível , é construída com responsabilidade, com rede de apoio, com empatia, com terapia, com grupos, com recaídas também. Porque a recaída faz parte do processo, e não significa fracasso. Significa que é hora de levantar e tentar de novo.
Se você convive com alguém em luta contra o alcoolismo, ou se você mesmo sente que o álcool tem mais poder sobre sua vida do que deveria, talvez seja hora de trocar o olhar do preconceito pelo da compaixão. Talvez seja hora de parar de apontar Heleninhas por aí e começar a escutar o que essas recaídas querem dizer.
Porque no fundo, o que derrubou Heleninha não foi o fato de um homem estar casado. Foi o peso de um mundo que exige perfeição de quem já está aos cacos por dentro.
E isso, meu amigo, não se trata com julgamento. Se trata com humanidade.
Trago Fatos , Marília Ms .
Comentários
Postar um comentário