Funcap avança em edital junino, mas “país do forró” exige valorização real dos artistas sergipanos
Não é novidade que os festejos juninos ocupam lugar de destaque no calendário cultural e turístico de Sergipe. Em um estado que não compete em escala nacional com as festas de Réveillon ou Carnaval, o ciclo junino surge como símbolo identitário, estratégico para o turismo e para a economia criativa. O governo sabe disso. Por isso, investe milhões em infraestrutura e atrações , muitas delas de fora , para consolidar o estado como destino de junho. Mas ser o país do forró exige mais do que holofotes e palcos: exige justiça cultural. E justiça cultural começa com a valorização real dos nossos artistas.
O novo edital lançado pela Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap), o de número 20/2025, traz avanços em relação ao anterior, como a ampliação do número de atrações contempladas (de 337 para 450) e a redução do prazo de pagamento de 90 para até 60 dias. No entanto, as melhorias são tímidas frente às desigualdades que ainda marcam o tratamento dado aos artistas sergipanos, especialmente quando comparados aos grandes nomes nacionais, pagos com celeridade e com cifras generosas.
Os cachês variando entre R$ 2.000 e R$ 4.500, que contemplam a maioria das atrações locais, mal cobrem os custos básicos de uma apresentação. Para grupos grandes, como quadrilhas juninas ou companhias de cultura popular, o valor é ainda mais desrespeitoso. Ensaios, transporte, alimentação, figurino e produção técnica não são luxo, são parte do trabalho. E trabalho precisa ser pago com dignidade, sobretudo quando se fala de cultura como motor da identidade e da economia do estado.
Outro ponto que escancara a desigualdade é a padronização da verba de alimentação de camarim: R$ 500, independentemente do tamanho do grupo. Como justificar que um trio de forró e uma quadrilha com 30 pessoas recebam o mesmo valor? Isso não é apenas insensibilidade administrativa, é negligência com a lógica do coletivo. É uma demonstração clara de que ainda falta compreensão real sobre o que significa fomentar a cultura popular ,na prática, e não apenas na retórica institucional.
A retirada da exigência de um número mínimo de dançarinos para as quadrilhas é um avanço, assim como o reajuste no cachê de R$ 3.500 para R$ 4.500. Mas estamos falando de um aumento que ainda não chega a cobrir o que uma única roupa típica custa, muitas vezes. As quadrilhas juninas não são apenas apresentações , são projetos de vida, espaços de pertencimento, de resistência, de valorização da juventude e da diversidade cultural do nosso povo.
A cada ano, os artistas locais enfrentam o mesmo dilema: esperam por um edital que muitas vezes chega em cima da hora, com recursos escassos, regras engessadas e pouca valorização real. São eles que sustentam a cultura de base durante todo o ano , seja nos ensaios, nas oficinas, nas festas comunitárias ou nas escolas. São eles que não vão embora quando as luzes se apagam. E são eles que, ano após ano, carregam nos ombros a beleza, a energia e o espírito do forró autêntico.
É preciso compreender que fomentar cultura não é só garantir um palco. É garantir políticas públicas contínuas, é pensar em linhas de financiamento estruturais, é apoiar projetos de base e formação, é assegurar dignidade aos profissionais da arte. O ciclo junino não pode ser uma vitrine de fachada para impressionar turistas enquanto os verdadeiros protagonistas da festa são empurrados para a lateral do palco.
Sergipe tem, sim, potencial para ser o país do forró. Mas essa conquista não será selada com slogans ou campanhas promocionais , será conquistada com respeito, com investimento justo, com escuta ativa e com políticas culturais à altura da nossa riqueza artística. Não há forró sem forrozeiro. E não há país do forró enquanto o artista local for tratado como figurante da própria história.
Trago fatos, Marília Ms.
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