Escala 4x3 no Senado: o privilégio institucionalizado que você, CLT, não vai experimentar


Sim, é verdade. O Senado Federal aprovou a escala de trabalho 4x3 ,ou seja, 4 dias de trabalho para 3 dias de folga. Mas antes de você, trabalhadora CLT que acorda às 6 da manhã e volta pra casa só às 20h, começar a fazer planos para tirar uma segunda-feira de folga sem prejuízo no salário, saiba: isso não é pra você. É só para funcionários públicos do Senado e alguns outros cargos federais descritos com precisão cirúrgica no Ato do Presidente nº 9, de 2025. E foi aprovado de forma discreta, quase sorrateira, no dia 28 de fevereiro , enquanto você se fantasiava de palhaça e dançava atrás do trio elétrico.

Estamos diante de mais um exemplo de como a máquina pública funciona em benefício dos seus , e apenas dos seus. Não se trata de uma medida progressista que valoriza o descanso do trabalhador brasileiro. Se fosse, viria com debates amplos, audiências públicas, e aplicabilidade ao conjunto da classe trabalhadora. Mas não: trata-se de mais um privilégio isolado, criado por quem legisla para si, vive em Brasília e se esquece que existe um país lá fora onde milhões enfrentam jornadas extenuantes, assédio moral, e sequer recebem vale-transporte integral.

A escala 4x3 pode até soar moderna, um avanço na flexibilização das relações de trabalho , se fosse universal. Mas aqui, ela é o retrato de uma elite funcional que vive em bolhas climatizadas com salários que ultrapassam os R$ 30 mil mensais, fora os penduricalhos. Um desses penduricalhos, inclusive, é o vale-alimentação, que agora recebeu um aumento de 22%, ultrapassando a marca de R$ 1.700 por mês. Isso mesmo. Enquanto você tenta decidir se compra arroz ou mistura, tem servidor federal usando o cartão alimentação do Senado pra almoçar no restaurante mais caro da Asa Sul.

Mas não para por aí: foi aprovada também a tal da licença compensatória. Ou seja, se o servidor decidir trabalhar em um dia que seria sua folga (porque sim, ele já tem folga regular a cada três dias), pode escolher entre receber por esse dia extra ou tirar outro dia de folga depois. E a regra permite até 10 dias de folgas compensatórias por mês , o que significa que um servidor com jeitinho consegue trabalhar menos de 20 dias úteis e ainda sair com o bolso cheio. Claro, dizem que não é "acumulativo", mas é aí que mora o cinismo institucional: o que chamam de limite, outros chamariam de desvio ético.

Essa medida escancara uma dura realidade: o Brasil possui um abismo entre o funcionalismo público federal de elite e o trabalhador comum. E antes que se tente romantizar dizendo que "é justo valorizar o servidor", lembre-se que a maioria dos servidores públicos do país não está no Senado: está em escolas mal pagas, postos de saúde sucateados, batalhões sobrecarregados. A medida não contempla essa base. Contempla, sim, o topo do topo, os cargos comissionados, os protegidos pela lógica da tecnocracia política.

Enquanto isso, Pathy, a trabalhadora de shopping, de supermercado, de telemarketing , ou mesmo a servidora pública de base , continua sem aumento real, sem descanso digno, sem plano de carreira. A reforma administrativa, que deveria discutir o peso das desigualdades internas no serviço público, nunca sai do papel. Mas a ampliação de benefícios para a casta privilegiada, essa é rápida, discreta e eficiente.

Portanto, o escândalo aqui não é só a escala 4x3 em si , é o contexto em que ela foi criada, a quem ela serve, e como foi aprovada. O Brasil vive um momento de reconstrução democrática, mas parece que em certos corredores de poder, a democracia ainda é entendida como o direito de poucos em cima do suor de muitos.

Você, CLT, você, terceirizado, você, trabalhador informal: essa notícia não muda sua vida. Pelo contrário, ela te lembra todos os dias quem tem o poder de mudar as próprias condições de trabalho , e quem continua de mãos atadas.

E quando é que isso aconteceu? Quando você estava distraído, dançando no carnaval. Enquanto a alegria do povo servia de distração, a elite burocrática blindava mais um direito exclusivo com tinta fresca e carimbo oficial. A revolta é legítima. E o silêncio da grande mídia, como sempre, cúmplice.

A pergunta que fica é: até quando?

Trago Fatos , Marília Ms. 

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