E se eu te contasse que existe um “tigrinho” disfarçado de diversão infantil?
Uma plataforma que se vende como um universo de criatividade, colaboração e jogos inofensivos , mas que pode, na prática, estar explorando o trabalho infantil em escala global. O nome dela? Roblox. Talvez você já tenha ouvido falar. Talvez seu filho jogue. Talvez você mesmo já tenha baixado, pensando que era só mais um passatempo digital. Mas o que está por trás da interface colorida e dos avatares simpáticos pode ser muito mais obscuro do que parece.
Roblox é hoje uma das maiores plataformas de entretenimento do mundo. Seu modelo de negócio é simples: usuários (muitos deles crianças) criam jogos dentro do ecossistema da empresa, e esses jogos geram lucros. Esses lucros são movimentados por meio de uma moeda virtual chamada Robux. E, embora a empresa permita saques apenas para maiores de 13 anos, a idade média dos criadores é assustadoramente baixa. Há relatos de crianças com 10, 11 anos passando horas desenvolvendo, programando e otimizando jogos, na esperança de que um deles viralize e renda algum dinheiro. Uma esperança que, para a imensa maioria, se transforma em frustração e exaustão.
A gamificação da exploração infantil talvez seja o termo mais apropriado para esse fenômeno. Porque tudo ali é pensado para parecer um jogo. A competição, os rankings, os bônus, os tutoriais “divertidos”, as recompensas digitais. Mas, por trás da diversão, existe um sistema de produção que se assemelha cada vez mais a uma fábrica moderna, onde o tempo, a energia e a criatividade de crianças são utilizados como combustível para o lucro de poucos.
O The Guardian já chamou o Roblox de “um império de videogame construído com trabalho infantil”. O Ministério Público do Trabalho no Brasil abriu investigações. Nos Estados Unidos, Reino Unido e França, o debate já chegou ao parlamento e às organizações de direitos da infância. Mas Roblox segue operando com um verniz de inovação e liberdade criativa, amparado na ideia de que “ninguém está forçando as crianças a trabalhar”. O argumento é sempre o mesmo: não é trabalho, é aprendizado. Não é exploração, é oportunidade.
Mas será mesmo?
O que acontece quando uma criança de 12 anos passa mais de 10 horas por dia no computador, não para brincar, mas para desenvolver jogos que geram dinheiro para uma plataforma bilionária? Quando essa criança começa a se comparar com outras, a estudar algoritmos, a tentar entender o que “engaja mais”, a investir emocionalmente em algo que, na maioria das vezes, não vai dar retorno nenhum — isso ainda é só um jogo?
É preciso entender que a fronteira entre diversão e trabalho é muito mais tênue do que parece, especialmente quando se trata de crianças. A infância, em tese, deveria ser um espaço de proteção, de desenvolvimento integral, de experiências livres de cobranças produtivas. Mas no capitalismo digital, até o tempo livre virou matéria-prima.
E Roblox é só a ponta do iceberg. Estamos criando uma geração que aprende, desde cedo, que toda habilidade deve ser monetizada, que toda diversão precisa virar conteúdo, que todo talento precisa gerar lucro. Uma geração que cresce sendo programada para competir, render, se destacar. E tudo isso, enquanto gigantes da tecnologia enchem os bolsos e se esquivam da responsabilidade social.
O mais perverso é que essa exploração se esconde sob a roupagem do “empoderamento infantil”. Roblox se vende como uma plataforma que “ensina as crianças a programar”, “estimula o empreendedorismo”, “fortalece a criatividade”. Mas em vez de promover educação real, entrega um sistema de extração de tempo e esforço onde poucos lucram e muitos apenas servem.
E se fosse uma fábrica de roupas, com crianças costurando por horas e recebendo migalhas, o mundo inteiro se revoltaria. Mas como é um ambiente digital, imerso em gamificação, algoritmos e estética infantilizada, o debate demora mais a chegar. Porque ainda não aprendemos a reconhecer as novas formas de exploração.
Sim, há crianças que apenas jogam no Roblox. Que estão ali pela diversão e que não têm nenhuma pretensão de ganhar dinheiro com isso. E isso é legítimo. O problema não são os jogos. É o modelo econômico por trás deles. É a transformação precoce de crianças em produtores de conteúdo para um sistema que lucra bilhões e oferece muito pouco em troca.
É hora de perguntar: até quando vamos permitir que a infância seja tratada como mais uma commodity do capitalismo tecnológico? Até quando vamos romantizar o empreendedorismo mirim enquanto ignoramos os sinais claros de sobrecarga, frustração e abandono?
Você já sabia disso?
Pois agora sabe. E fingir que não viu é tão perigoso quanto ser cúmplice.
Trago Fatos , Marília Ms.
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