Data Center do TikTok em Caucaia: a nova fronteira do colonialismo digital travestido de progresso




À primeira vista, pode até parecer um avanço tecnológico ou uma “oportunidade de desenvolvimento”: o TikTok, uma das maiores plataformas do mundo, quer instalar nada menos que 12 quarteirões de data centers em Caucaia, município cearense situado na região metropolitana de Fortaleza. São 12 campos de futebol cobertos por prédios climatizados, operando supercomputadores 24 horas por dia, 7 dias por semana, de forma ininterrupta.

Mas ao contrário do que parece, esse não é um projeto neutro, tampouco inofensivo. Estamos falando de uma operação brutal de energia e água num território semiárido, que já convive historicamente com escassez, desigualdade e desatenção do poder público. O suposto progresso que bate à nossa porta pode, na prática, representar mais uma forma de expropriação , desta vez em nome do lucro digital.

O que é um data center e por que ele consome tanto?

Data centers são a espinha dorsal da internet. São neles que residem os dados, vídeos, fotos e algoritmos que usamos todos os dias , e no caso do TikTok, bilhões de vídeos de 15 segundos, clipes musicais e conteúdos virais. Parece leve, mas manter isso funcionando exige uma infraestrutura pesada.

Esses centros operam com supercomputadores que geram calor em níveis altíssimos. Para não superaquecerem, precisam de sistemas de refrigeração potentes, que funcionam, muitas vezes, com circuitos de água em circulação constante, além de ar-condicionado industrial e geradores de energia redundantes. Tudo isso, em tempo integral. A estimativa é que um único data center pode consumir o equivalente à energia de uma cidade de médio porte e mais água do que grandes indústrias agrícolas ou siderúrgicas.

Caucaia é semiárido. E o semiárido não é lugar para brincadeiras com água

O Ceará já convive com longos períodos de estiagem. Caucaia, especificamente, é um município que sente os efeitos diretos da escassez hídrica. Pergunte a qualquer agricultor da zona rural. Pergunte às comunidades que vivem com o abastecimento irregular. Agora pense que essa região pode vir a ceder recursos hídricos para resfriar servidores do TikTok.

Quantos litros por segundo serão desviados da rede pública, dos aquíferos, dos rios subterrâneos para alimentar essa operação digital? Não sabemos. A empresa ainda não divulgou. E esse é o problema: o projeto segue sem a devida transparência. Já foi oficiada várias vezes, tanto por órgãos ambientais quanto por mandatos comprometidos com o território, e ainda assim segue operando na lógica do sigilo e da omissão.

Energia: a outra moeda de troca que vai sair caro

Assim como a água, a energia elétrica será consumida em escala industrial. A pergunta que se impõe é: quem vai pagar essa conta? A eletricidade no Brasil, especialmente no Nordeste, é historicamente cara para o consumidor residencial. Se o TikTok for subsidiado por incentivos públicos , como isenção de impostos ou desconto tarifário , o povo pagará essa fatura com juros e correção ambiental.

Além disso, qual é a matriz energética que sustentará esse complexo? Será energia limpa, renovável, solar? Ou vão recorrer a termelétricas, pressionando ainda mais as emissões de carbono e o impacto climático na região? Novamente, não sabemos. E quando falta informação, sobra especulação e risco.

Estudos de impacto ambiental: cadê a transparência?

A ausência de informações públicas é uma afronta ao princípio da precaução e à participação cidadã. Onde está o Estudo de Impacto Ambiental (EIA)? Onde está o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA)? Qual é o plano de mitigação dos danos hídricos e elétricos? Como será feito o controle da temperatura e do uso de recursos naturais? Quais comunidades serão diretamente afetadas? Qual será a contrapartida para a cidade?

Por enquanto, só temos uma licença prévia emitida, o que sugere que o projeto está em curso, mas ainda sem compromissos claros com a sustentabilidade, com a comunidade local e com o futuro de Caucaia.

A armadilha do progresso digital: quando o lucro não é nosso, mas o impacto sim

O TikTok não está vindo a Caucaia para integrar a cidade ao mercado global, gerar educação digital ou empoderar a juventude com tecnologia. Está vindo para baratear custos, explorar território e instalar uma infraestrutura pesada, em uma área onde o impacto ambiental pode ser grande, mas a resistência política é , muitas vezes , limitada. Não é uma parceria, é uma invasão silenciosa.

Não sejamos ingênuos: essas corporações se instalam onde há menos regulação, menos fiscalização, menos capacidade de resistência. E frequentemente, o Nordeste brasileiro, com sua desigualdade histórica e seu abandono crônico, se torna o destino ideal para esse tipo de empreendimento que parece promissor, mas traz riscos imensuráveis.

O mandato popular e os órgãos ambientais precisam continuar atuando com firmeza. O povo de Caucaia tem o direito de saber quanto de sua água será usada, quanta energia será desviada, quais são os impactos reais do projeto e como a população será ouvida nesse processo.

Porque com água e com energia não se brinca. E com o futuro de uma cidade inteira, muito menos. TikTok, se quiser se instalar aqui, que venha com responsabilidade, transparência e respeito ao território. Porque nós não estamos à venda. Estamos atentos.

Trago Fatos, Marília Ms.

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