CPI das Bets: a vergonha que virou espetáculo
No plenário da CPI das Apostas Esportivas, onde se esperava apuração séria, justiça e comprometimento com o dinheiro público e com a proteção de brasileiros endividados, o que se viu foi um espetáculo tragicômico, digno de um roteiro de sátira política. E no centro desse show, a influenciadora Virgínia Fonseca, estrela da vez, foi tratada mais como celebridade de camarim do que como figura investigada que movimenta milhões em campanhas de casas de apostas. A realidade de famílias quebradas pela ilusão do lucro fácil virou pano de fundo para tietagem, piadinhas e até defesa velada do “empreendedorismo digital” à base de cassino virtual.
O senador Cleitinho, bolsonarista, deu o tom da farsa: parou a sessão para elogiar Virgínia e pedir uma selfie. Em vez de questionar sobre a responsabilidade social de uma influenciadora com milhões de seguidores, muitos deles jovens, pobres e vulneráveis , o parlamentar se derreteu, exaltando o “talento raro” da moça. Isso mesmo. Raroclima. Um neologismo digno de um episódio de Choque de Cultura. Enquanto brasileiros entram em dívidas por influência de apostas promovidas em massa por celebridades, o representante do povo posava com a ré como se fosse fã em fila de meet & greet.
A CPI virou piada , mas de mau gosto. E não parou por aí.
Ao ser confrontada pela senadora Soraya Thronicke com vídeos antigos em que ela promovia bets com entusiasmo, Virgínia respondeu com um “pega vídeo recente, Soraya, você tá pegando vídeo de 2022, pô”, como se o tempo anulasse a responsabilidade, como se o passado não fosse parte do presente. A influenciadora ainda confundiu o microfone da sessão com um canudo, tropeçando no próprio nervosismo, rindo em momentos impróprios, e pedindo um momento dramático para dizer que “acredita na justiça de Deus”. Um verdadeiro teatro improvisado , uma tentativa desesperada de se descolar do que é, de fato, seu papel nisso tudo: promover uma indústria que lucra com o desespero alheio.
Questionada se divulgaria drogas caso fosse legalizado, respondeu que “não, porque é contra as drogas”, como se as apostas não criassem vícios igualmente destruidores. Como se não houvesse relatos de jovens vendendo até bens da família para seguir a promessa do dinheiro fácil. Como se a destruição silenciosa das bets não fosse uma tragédia social.
E é aí que a coisa se agrava: a influência digital virou moeda política. Celebridades com milhões de seguidores se tornam intocáveis, blindadas por popularidade, enquanto parlamentares se ajoelham diante de curtidas e engajamento. A CPI, em vez de investigar, aplaude. Em vez de proteger o cidadão comum, protege a imagem pública de quem lucra com a aposta alheia.
O escárnio é duplo: com o povo e com a democracia. Porque o que se espera de um senador da república é imparcialidade, firmeza, seriedade. O que se viu foi um homem bajulando uma influencer enquanto mães perdem o sono porque seus filhos gastaram o salário inteiro tentando dobrar a sorte numa bet divulgada por ela.
Se há um talento raro aqui, é o talento para se desresponsabilizar. Para fazer parecer que a culpa é do seguidor, do algoritmo, do “vídeo antigo”. E há também um talento sombrio dos políticos que, em vez de fiscalizar, se rendem à popularidade como se ela fosse atestado de inocência.
Enquanto isso, a vida real ,fora das câmeras da TV Senado, segue: endividados, viciados em apostas, famílias desfeitas. E ninguém se responsabiliza. Porque no Brasil da espetacularização, todo mundo quer ser estrela. Poucos querem ser estadistas.
A CPI das Bets revelou não só o que está por trás do lobby bilionário das apostas online. Revelou também o vazio moral de parte do Congresso Nacional. E isso, sim, deveria nos indignar mais do que qualquer vídeo de 2022.
Trago Fatos , Marília Ms.
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