CPI das Bets: o moletom da Virgínia e a estética do deboche nacional
Na CPI das bets, o Brasil viu mais um espetáculo de cinismo e encenação virar pauta nacional. Não foi apenas sobre apostas, nem sobre publicidade enganosa, nem mesmo sobre a quantidade de jovens ludibriados por uma indústria bilionária. Foi sobre imagem, sobre marketing, sobre um país onde o circo vale mais que a ética e a maquiagem disfarça a gravidade dos fatos. Virgínia Fonseca, influenciadora com milhões de seguidores e contratos publicitários que sustentam um império, se apresentou ao Senado com um figurino que dizia mais do que suas palavras.
Moletom com o rosto da própria filha. Cabelo solto em ondas milimetricamente bem pensadas. Óculos joviais com ar de “menininha descolada”. Copo Stanley rosa na mão. Sorriso fácil. Postura “despreparada”. Visual cuidadosamente calculado para encarnar a personagem da jovem simples, quase desinformada, que mal sabe por que está ali. Mas ingenuidade é achar que essa performance é acidental.
Nada , absolutamente nada , é espontâneo na estética de uma mulher que transformou sua imagem em produto, que domina o marketing como poucos e que, em pleno depoimento numa Comissão Parlamentar de Inquérito, usa a própria filha como estampa para uma tentativa de humanização. Virgínia sabe muito bem o peso da imagem. Ela sempre soube. A menina que começou fazendo vídeos caseiros hoje lucra milhões com uma presença que mistura maternidade açucarada, lifestyle rosa bebê e publicidade disfarçada de rotina.
E se alguém ainda acredita que o “erro” de sugar o microfone em vez do canudo foi genuíno, lamento: não era um deslize. Era cena. Uma pantomima cuidadosamente roteirizada para viralizar. Era conteúdo. Tudo virou conteúdo. Até uma CPI. Até o desrespeito às vítimas. Até a desinformação deliberada.
Dizer que não sabia que estava prejudicando tanta gente é a maior manobra de blindagem que o marketing digital já ensinou. Quando a culpa bate à porta, encarna-se a tática da inocente. A mesma estratégia já foi usada antes , e o Brasil viu. Suzane von Richthofen, em uma entrevista famosa, apareceu com os cabelos soltos, voz mansa, e uma postura infantilizada que não condizia com os crimes pelos quais foi condenada. O paralelo é inevitável. Mulheres que dominam a narrativa da fragilidade em cenários onde o peso da responsabilidade exige, no mínimo, seriedade e sobriedade.
Na CPI das bets, não era só o depoimento de uma influencer. Era a investigação de uma rede de apostas suspeita de explorar jovens, manipular resultados, lucrar com vícios e induzir comportamentos autodestrutivos. Era para ser uma audiência séria, não um desfile. Mas o Brasil virou palco da espetacularização da tragédia, e o Senado, cenário para mais um “vídeo engraçadinho”. Influenciadores como Virgínia ganham rios de dinheiro para vender produtos, serviços e agora, até discursos ,e muitos deles comprometem a saúde financeira e mental de quem os consome.
Ao fim da audiência, como se tudo não passasse de um pit stop de conteúdo, Virgínia ainda foi divulgar promoção de produto nas redes. Uma transição tão fluida quanto revoltante. Como alguém que acaba de prestar depoimento sobre uma possível cumplicidade em enganar o público consegue, na sequência, ativar seu modo “influencer” e seguir vendendo como se nada tivesse acontecido? A resposta é simples: porque o público permite. Porque há quem ainda dê ibope. Porque há quem ache “fofo” o moletom com o rosto da filha em um momento que exigia o peso do luto nacional pelos jovens que perderam tudo em nome do vício estimulado pelas apostas.
E não dá para deixar de criticar também a mídia que ajuda a sustentar esse tipo de espetáculo. Hugo Gloss, por exemplo, ao postar sobre o “mico” da influenciadora sugando o microfone, contribuiu para transformar uma CPI em viral. Ao fazer da vergonha um meme, ajudou a esvaziar a seriedade do momento. Em vez de destacar o que foi dito , ou não dito , sobre um esquema que envolve milhões em publicidade digital e manipulação da confiança popular, preferiu rir da encenação. E assim o Brasil continua sendo esse lugar onde o escárnio encontra terreno fértil.
Num país sério, Virgínia não estaria vestida como se estivesse em um estúdio de podcast, nem se comportando como se estivesse no "PodDelas" ou gravando mais um "close friends". Estaria diante do Senado, prestando esclarecimentos de forma responsável, com a consciência de que sua atuação publicitária pode ter incentivado o vício em jogos de azar, destruído famílias, e levado jovens a dívidas impagáveis. Num país sério, o marketing da ingenuidade não passaria impune.
Mas aqui, o que se vê é a estetização do absurdo. A espetacularização da impunidade. E o uso da própria filha como escudo de branding em um dos momentos mais sombrios da história do marketing de influência brasileiro.
A CPI foi apenas mais um palco. E o Brasil, mais uma vez, aplaudiu de pé.
Trago Fatos , Marília Ms.
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