Casamentos de Ontem e de Hoje: Amor, Permanência ou Ausência de Alternativa?



Dizer que os casamentos dos nossos avós duravam mais é inegável , os dados estão aí. Mas afirmar que duravam por amor, por felicidade ou harmonia conjugal, é uma conclusão precipitada, muitas vezes enviesada por narrativas individuais que ignoram o contexto coletivo, social, histórico e estrutural. O que muitos chamam de “valores familiares” pode ter sido, em diversas casas, uma maquiagem social para encobrir silêncios forçados, desigualdades normalizadas e prisões emocionais travestidas de compromisso.

É fundamental entender que o tempo de duração de um casamento não é sinônimo de felicidade. As relações dos nossos avós aconteciam sob a influência direta de um Estado patriarcal, de uma religião dominante e de uma sociedade em que mulheres sequer podiam se divorciar até a aprovação da Lei do Divórcio, em 1977, no Brasil. Até lá, o que existia eram uniões indissolúveis legalmente , com ou sem amor, com ou sem violência, com ou sem respeito.

"Mas meus avós ficaram juntos por 50 anos e foram felizes!" , esse é um argumento legítimo, mas não é uma prova social, é um recorte afetivo pessoal. Seus avós podem sim ter vivido um amor verdadeiro, ter cultivado o respeito mútuo, criado os filhos com dignidade e companheirismo, mas isso não representa todas as famílias da época. A exceção nunca deve pautar a análise do todo.

Muitas mulheres da geração passada foram submetidas a relacionamentos onde a violência psicológica, física e até sexual eram invisibilizadas ou naturalizadas. A mulher que pensava em sair de casa era vista como desajustada, egoísta ou imoral. Ela não tinha autonomia financeira, social e nem sequer emocional. O casamento era muitas vezes a única rota possível , e, por isso, muitas ficaram. Não por amor, mas por sobrevivência.

Hoje, com todas as contradições do nosso tempo, as mulheres conseguem sair de relações que não as fazem bem. Ainda enfrentam julgamentos, sim. Mas já não estão tão acorrentadas à dependência emocional, religiosa ou financeira. E é isso que faz parecer que os casamentos atuais “não duram”. Eles não duram como antes porque hoje existe a opção da liberdade.

Por isso, quando olhamos para o passado com saudosismo, corremos o risco de romantizar o cárcere. Dizer que a geração atual “não sabe amar” é ignorar o que o amor precisa para sobreviver: liberdade. Amor que só existe se estiver trancado entre o medo e a culpa não é amor, é obediência emocional.

A sociedade mudou. E com ela, as dinâmicas relacionais. Os casamentos da nossa geração podem não durar 50 anos como antes , mas, quando duram, tendem a durar por escolha, e não por ausência de alternativas. Casais de hoje enfrentam desafios próprios: a ilusão do amor idealizado das redes sociais, a hiperexposição da intimidade, a pressão por desempenho emocional. Mas eles também têm ferramentas que os antigos não tinham: a terapia, o diálogo aberto, o divórcio como possibilidade legítima de recomeço, a construção de afeto sem a necessidade de cumprir papéis de gênero engessados.

Religião e filosofia têm seus papéis fundamentais , elas podem ser fontes profundas de sabedoria, ética e espiritualidade. Mas a forma como são interpretadas socialmente molda práticas que nem sempre condizem com os ideais pregados. Se seguíssemos verdadeiramente os princípios de Jesus Cristo , como compaixão, empatia, perdão e justiça , a sociedade seria um campo fértil para relacionamentos mais humanos, igualitários e saudáveis. Mas não é isso que se segue. O que se reproduz, muitas vezes, são interpretações patriarcais e opressoras que justificam a submissão da mulher em nome de uma “ordem divina”.

Portanto, quando nos perguntamos "quais casamentos duravam mais?", a resposta é simples: os antigos duravam mais no tempo, mas os de hoje duram mais no respeito mútuo , e duram apenas quando devem durar. O tempo não é mais prova de nada. A profundidade, a leveza e a liberdade sim.

E isso, felizmente, é uma conquista da nossa geração.

Trago Fatos , Marília Ms.

Comentários

Matérias + vistas