Aracaju e a incivilidade ambiental: o caso do patinete da Jet mergulhado no Rio Sergipe
Na manhã desta segunda-feira (5), um episódio lamentável e simbólico revelou mais do que um simples ato de vandalismo: uma patinete elétrica da empresa Jet, disponível para aluguel em Aracaju, foi encontrada submersa nas águas do Rio Sergipe, nas imediações da Avenida Ivo do Prado. Embora a empresa tenha classificado o fato como um caso “isolado” e reforçado a boa receptividade do serviço entre os cidadãos, o incidente lança luz sobre uma série de questões que merecem um debate mais profundo , e mais honesto ,sobre civilidade urbana, educação coletiva e a real integração da tecnologia à rotina das cidades brasileiras.
O modelo de micro mobilidade urbana, com bicicletas e patinetes compartilhados, tem ganhado espaço nas capitais do país como alternativa sustentável, prática e democrática ao transporte tradicional. A promessa de desafogar o trânsito, reduzir a emissão de gases poluentes e incentivar hábitos de mobilidade mais conscientes, porém, esbarra em realidades que vão muito além da infraestrutura: falta cultura cívica. E isso não se resolve com aplicativos, QR Codes ou planos mensais.
Ver um veículo público, de uso coletivo e com potencial transformador, ser deliberadamente jogado no rio não é apenas um ataque ao patrimônio da empresa Jet ou à natureza; é uma ofensa direta à cidade. É um ato que escancara o descompasso entre avanços tecnológicos e retrocessos sociais. Afinal, o que faz alguém atirar uma patinete elétrica nas águas de um rio urbano? Descaso? Diversão irresponsável? Raiva da ordem pública? Ou seria uma forma de protesto inconsciente contra um sistema que não dialoga com todos os seus usuários?
Por mais que a empresa reforce que o fato não representa a recepção da população, é inevitável questionar: que parte da população estamos considerando? Aquela que compreende e respeita o uso coletivo? Ou aquela que, abandonada pelo poder público, encontra no vandalismo um modo de expressão , ainda que distorcido?
Desde março, a gestão do sistema de bicicletas e patinetes em Aracaju está sob responsabilidade da Superintendência Municipal de Transportes e Trânsito (SMTT), que até o momento não se pronunciou sobre o ocorrido. O silêncio da instituição é revelador. Se há fiscalização, monitoramento e campanhas educativas em andamento, ninguém parece estar sabendo. A ausência de resposta oficial só contribui para um sentimento de negligência, de um poder público que terceiriza a responsabilidade para a empresa e a moral coletiva , mas falha em mediar, educar e garantir que a inovação tecnológica não se torne mais uma peça no tabuleiro da desigualdade urbana.
O episódio do patinete no rio é, portanto, muito mais do que um "caso isolado". É sintoma. É reflexo. É alerta. Precisamos de uma política pública que vá além do contrato de concessão com empresas de tecnologia. Precisamos de ações educativas que falem com a periferia, com as escolas, com os bairros que não estão nos folders turísticos da cidade. Precisamos lembrar que inovação não é só instalar um aplicativo no celular , é criar uma mentalidade coletiva de respeito, pertencimento e preservação.
Não adianta importar modelos de cidades mais desenvolvidas se seguimos tratando o espaço público como coisa de ninguém. A patinete da Jet não caiu no rio , ela foi empurrada para lá. E essa empurrada tem mãos sociais, políticas e culturais.
Enquanto não compreendermos que a cidade é uma construção coletiva e que o espaço urbano exige mais do que tecnologia, exige cidadania , continuaremos vendo patinetes boiando entre os esgotos de um progresso que só alcança alguns. O futuro não será elétrico se continuarmos mergulhados na indiferença.
Trago Fatos, Marília Ms.
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