A treta teen que parou a internet: por trás da fofoca, um espelho da geração da hiperexposição
A internet parou. De novo. Mas não foi por um hit musical, nem por uma tragédia de proporções nacionais. Foi por uma briga entre adolescentes influencers: Duda Guerra e Antonella Braga. O nome de Benício Huck, filho de Luciano e Angélica, também entrou no centro da tempestade, como pivô do enredo que paralisou o TikTok, inflamou o Twitter (ou X, como alguns insistem) e gerou mais threads e análises do que a última crise política em Brasília. Mas se você acha que isso é apenas mais uma fofoca teen irrelevante, talvez precise parar e enxergar o que realmente está por trás dessa cortina de likes, views e julgamentos virtuais. O que está em jogo aqui é muito mais sério do que parece. O que parece “só uma treta” revela a forma como uma geração inteira está sendo moldada ,ou melhor, deformada , pelo espetáculo digital.
1. Rivalidade feminina como entretenimento: likes, views e machismo disfarçado
A rivalidade feminina sempre foi uma das engrenagens mais lucrativas do patriarcado. E agora, com o palco ampliado pelas redes sociais, ela virou produto de massa. Duda e Antonella não são as primeiras , e infelizmente, não serão as últimas , adolescentes a serem engolidas por uma lógica que transforma meninas em gladiadoras digitais. São incentivadas, cobradas e pressionadas a se enfrentarem, não por causas reais, mas por status, audiência e aceitação.
É um teatro perverso, onde o roteiro já vem pronto: duas jovens disputando atenção, amor e aprovação pública. E repare: enquanto as meninas são expostas, arrastadas pelo tribunal das redes, esmiuçadas nos comentários, os meninos envolvidos , como Benício, aparecem como coadjuvantes silenciosos. Invisíveis. Ou melhor, elevados ao papel de “troféus”, como se o centro da discussão fosse apenas por quem “ficou com ele”, “quem traiu quem” ou “quem venceu”.
Essa lógica é antiga. Mas agora, aos 16 anos, uma garota já sabe que não basta ser quem é. Ela precisa performar. Precisa ser a mais bonita, mais desejada, mais seguida. Precisa vencer a outra. Precisa “entregar conteúdo”, mesmo que isso signifique expor sua dor, sua intimidade ou sua saúde mental.
2. A cultura do espetáculo e o fim da privacidade adolescente
A briga entre Duda e Antonella não ficou restrita a uma viagem. Ganhou os holofotes virtuais e virou o que chamamos de “exposed” , um ritual moderno de humilhação pública. Supostos áudios vazaram. Prints circularam. Vídeos íntimos e relatos pessoais foram espalhados sem pudor. O que antes era motivo de vergonha ou diálogo familiar, agora se torna arma para linchamento digital.
E o mais cruel disso tudo é que o erro, quando exposto online, não tem prazo de validade. As redes sociais são cemitérios de reputações adolescentes. Um post errado hoje vira meme amanhã, print no mês que vem e recordação tóxica por anos. Tropeçar já não é mais uma etapa do crescimento. É uma sentença.
Enquanto adultos, precisamos perguntar: o que significa para uma jovem de 15, 16 anos ter sua intimidade esmiuçada, julgada e debatida por milhões de desconhecidos? Quantos de nós suportaríamos essa pressão aos 16?
3. A saúde mental digitalmente devastada
Entre um story e outro, entre um exposed e uma live explicativa, tem algo que não aparece: a dor. A dor de ser adolescente em um mundo que exige perfeição, performance e postura 24 horas por dia. A dor de ter sua imagem distorcida por um clipe de 10 segundos. A dor de ser cancelada por erros que deveriam ser oportunidades de crescimento , e não motivos para o banimento social.
Quando os vídeos param de circular, sobra o silêncio. E nesse silêncio vivem a ansiedade, a depressão, os distúrbios alimentares, a autoimagem corroída e o medo constante de errar. É cruel, porque estamos falando de jovens que estão apenas começando a entender quem são. E já são punidas como se fossem personagens públicas veteranas, com contratos milionários e equipes de gerenciamento de crise.
Mas não são. São adolescentes. Gente que deveria estar mais preocupada com provas de matemática do que com a reputação digital.
4. O papel dos adultos: calar ou escutar?
É fácil rir da briga. Dizer que “isso é coisa de adolescente”, “fofoca de internet”, “drama juvenil”. Mas esse desprezo adulto só empurra os jovens ainda mais para o fundo do poço. Quando eles mais precisam ser ouvidos, são ridicularizados. Quando mais pedem socorro, são ignorados.
E é justamente aí que falhamos. Porque, por trás de cada curtida, de cada comentário ácido, tem alguém tentando se encontrar. Os pais, professores, tutores e formadores de opinião precisam se perguntar: estamos sendo exemplos? Estamos educando com empatia ou estamos terceirizando a criação de nossos filhos para o algoritmo?
A briga entre Duda e Antonella é o espelho. E o reflexo que ele devolve é incômodo. Ele mostra uma geração obcecada por visibilidade, sem filtros, sem limites, e , o mais grave , sem apoio real. Uma geração que aprendeu a existir pela aprovação digital e que mede seu valor pela repercussão dos seus erros, não pela maturidade das suas conquistas.
5. A responsabilidade não é delas. É nossa.
Não é só sobre Duda, nem sobre Antonella, nem sobre os prints ou os likes. É sobre um sistema que alimenta a rivalidade, comercializa o ódio e lucra com a exposição. É sobre adultos que assistem passivamente e esquecem que, enquanto nos distraímos com tretas de adolescentes, estamos deixando o algoritmo educar nossas meninas para se odiarem, se compararem, se destruírem , tudo isso em tempo real e com trilha sonora viral.
No fim, a pergunta que fica não é “quem venceu a briga?”. A pergunta é: o que estamos perdendo quando transformamos a adolescência em um reality show sem pausa?
A resposta talvez seja ainda mais dolorosa: estamos perdendo uma geração inteira para o espetáculo da autoimagem, para o culto da performance e para a crueldade digital travestida de entretenimento.
É hora de fechar o TikTok, silenciar o Twitter e abrir os olhos. Porque não é só uma treta. É um grito. E ele merece ser ouvido.
Trago Fatos , Marília Ms .
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