A floresta de vergalhões: a COP30 e o teatro do ambientalismo



Vocês lembram daquela história da árvore de plástico no Oriente Médio? Aquela ideia patética disfarçada de inovação, que se dizia ecológica, mas que nada mais era do que uma escultura de metal tentando fingir ser o que não é. Vocês acharam que essa moda ia ficar restrita ao deserto, né? Que esse teatro verde não ultrapassaria fronteiras. Pois bem. O Brasil, esse país tropical abençoado por Deus e saqueado por suas elites, decidiu inovar também , e agora temos eco-árvores em plena Amazônia. Palmas para o marketing do desastre.

Neste ano, o Brasil será anfitrião da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. E antes que digam que criticar o evento é ser contra o meio ambiente, vamos deixar claro: a COP é necessária, sim. O problema não está no “o quê”, mas no “como”. A cidade escolhida para sediar essa edição foi Belém do Pará, a porta de entrada da Amazônia, cheia de biodiversidade, belezas naturais e problemas sociais profundos, que, curiosamente, são ignorados em nome de uma maquiagem verde global.

A previsão é que cerca de 50 mil pessoas desembarquem em Belém durante o evento. Mas Belém possui apenas 24 mil leitos. A conta não fecha , e o capitalismo sorri. Um hotel da cidade já está vendendo pacotes de 11 dias por mais de um milhão de reais. A cidade mais favelizada do Brasil, segundo o IBGE, com 745 mil pessoas vivendo em condições precárias, é agora o novo playground da elite ambientalista global. O contraste é violento: de um lado, turistas em suítes de luxo; do outro, moradores sem saneamento, com esgoto retornando pelas pias e água barrenta chegando nas torneiras por causa das obras.

Sim, porque há obras , muitas obras. Para receber bem os gringos, estão construindo rodovias em ritmo de Fórmula 1. Uma delas, segundo o governo do Pará, “não tem nada a ver com a COP30”. É só uma coincidência, dizem, que 13 quilômetros de floresta amazônica foram devastados para a tal estrada. Coincidência também é que ela foi planejada para facilitar o deslocamento durante o evento. Coincidência é palavra bonita quando usada por quem destrói e não quer assumir.

E não para por aí. Estão erguendo uma grande estação de transporte público. Parece bom, né? Mas ela não atenderá à comunidade da Vila das Barcas, uma favela localizada logo ao lado. Enquanto o concreto sobe, o esgoto volta, a água escurece, e a esperança de alguma melhoria para a população vira poeira junto com os entulhos da obra. Um projeto que poderia ser um legado urbano, transformador, se torna mais uma cicatriz da desigualdade.

Mas o auge do delírio, o símbolo máximo do cinismo tropical, são as chamadas eco-árvores. Como a cidade é muito quente para os estrangeiros, alguém teve a brilhante ideia de substituir árvores reais por estruturas artificiais, feitas de vergalhões reciclados e algumas plantas penduradas. Isso mesmo. No lugar da sombra natural, nos deram um cenário de ferro. A justificativa? “O solo da região não é adequado para o plantio”. Ora, essa é Belém , a cidade onde a floresta literalmente começa. Se aqui não se planta, onde se planta?

E como todo delírio precisa de uma referência gringa para parecer chique, compararam essas monstruosidades às estruturas do Gardens by the Bay, em Singapura. Lá, ao menos, a proposta é assumidamente arquitetônica, artística e tecnológica. Aqui, é apenas maquiagem urbana para mascarar o colapso social e ambiental que ninguém quer ver. A única semelhança entre os dois projetos é, talvez, o uso da cor verde , e, claro, a tentativa de fazer parecer bonito aquilo que é, na essência, uma tragédia anunciada.

O Brasil virou palco de um novo tipo de colonialismo: o colonialismo sustentável. Um modelo onde se finge preservar, enquanto se desmata. Onde se ergue palco para discurso ambiental, sobre o sangue da biodiversidade destruída para construir o palco. A COP30, nesse contexto, parece menos um evento de preservação e mais um showroom do fracasso civilizatório. Em nome do progresso, atropelamos o próprio futuro.

Ironia das ironias: talvez na COP31, quando os líderes mundiais estiverem discutindo os desastres causados por intervenções irresponsáveis, Belém seja citada como exemplo. Não de superação, mas de como se empacotar o apocalipse em papel reciclável. Como plantar vergalhões e colher destruição.

É preciso debater o clima, sim. Mas também é preciso olhar para as raízes sociais do problema. E uma eco-árvore não tem raiz.

Trago Fatos, Marília Ms

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