A esquerda acossada: entre um Congresso hostil, um mercado raivoso e um mundo em desordem



Por um fio de governabilidade no Brasil de 2025

A esquerda, no Brasil, não está apenas acuada. Ela está sendo triturada lentamente entre as engrenagens de um sistema político que foi redesenhado para neutralizá-la. A cena recente em que o União Brasil recusou o Ministério das Comunicações , pasta oferecida ao deputado federal Pedro Lucas Fernandes , é apenas a superfície visível de um iceberg muito mais profundo: o esvaziamento do poder de negociação do Executivo, a corrosão progressiva da autoridade presidencial e o descrédito da aliança com o Centrão como moeda de sustentação governamental.

A recusa do União Brasil, partido acostumado ao balcão de negócios da política, em aderir a um ministério de peso, revela um dado preocupante: o governo Lula 3 se tornou um ativo político tóxico para setores tradicionais do Congresso. Quando até os profissionais do toma-lá-dá-cá recusam a proposta, não por princípios, mas por cálculo político, a mensagem é clara: o custo de se associar a um governo de esquerda, ainda que moderada, é hoje mais alto do que o lucro político que ele pode oferecer.

O episódio é duplamente humilhante para Lula. Primeiro, pela negativa pública. Segundo, porque veio na esteira do caso Juscelino Filho , o ex-ministro do mesmo partido, denunciado por corrupção e mantido até o último momento no cargo, mesmo com o presidente ciente da sua folha corrida. A lógica de “deixa ele pedir pra sair” revela o medo de confronto e o receio de melindrar um Congresso já hostil. Um governo que se vê obrigado a engolir a própria saliva para manter pontes com partidos fisiológicos está, no mínimo, sitiado.

A era do Executivo acorrentado

O Brasil vive uma transição silenciosa, mas devastadora, na relação entre os Poderes. O presidencialismo de coalizão , modelo pelo qual o Executivo costura maioria no Congresso por meio de alianças e distribuição de cargos , está ruindo. A partir da expansão das emendas impositivas, especialmente sob o reinado de Arthur Lira, o Congresso se tornou autossuficiente. Hoje, deputados e senadores controlam bilhões em recursos e podem fazer política direta em suas bases eleitorais sem depender de favores do Planalto. Em outras palavras: o Parlamento ficou mais forte que o Executivo, e a Presidência virou um posto simbólico com muito protocolo e pouca caneta.

Essa mudança estrutural tirou de Lula o principal instrumento que lhe garantiu estabilidade e popularidade nos dois primeiros mandatos: o dinheiro. Hoje, ele governa com menos verba discricionária, menos cargos, menos margem de manobra. O resultado é um Executivo refém de um Congresso faminto e desleal, que estica a corda até o limite e, quando sente o cheiro de sangue, morde.

O fogo amigo e a ausência de um projeto

Além das pressões externas, o governo Lula sofre também por erosão interna. A crítica de que falta à atual gestão ideias novas e imaginação política não é apenas um desabafo da imprensa ou da oposição ,vem também de setores da própria esquerda. Enquanto o país clama por reformas estruturais, investimentos em inovação e políticas públicas transformadoras, o governo parece preso a um script antigo, que já não conversa com as novas demandas sociais e econômicas.

O governo Lula 3 é, até agora, um governo reativo, pautado pela sobrevivência e pela contenção de danos. Sem uma narrativa mobilizadora, sem um plano nacional de médio e longo prazo, o governo vai sendo consumido por crises pontuais, escândalos e disputas palacianas. A esquerda, ao invés de pensar o futuro, tenta evitar o colapso do presente.

Mercado raivoso, elite intocável

E como se não bastasse o cerco do Congresso, há ainda o cerco do mercado. Qualquer tentativa de regulação, de taxação dos super-ricos ou de políticas sociais mais ousadas é imediatamente demonizada pelo sistema financeiro, pela imprensa corporativa e por seus porta-vozes na Faria Lima. A lógica é simples: governar para os pobres é governar contra os interesses do capital. E isso tem um preço.

O mercado financeiro, que tolera autoritarismos desde que o lucro esteja garantido, reage com fúria a qualquer medida que ameace os privilégios das elites. Um aumento de tributo sobre os fundos exclusivos? O dólar sobe. Uma proposta de reforma tributária progressiva? A bolsa cai. Um discurso contra os juros extorsivos do Banco Central? Reações histéricas de "fuga de investidores". Lula sabe disso , e recua. Mas a esquerda, acuada, precisa entender: não há como governar com medo do mercado e ao mesmo tempo entregar justiça social.

Um mundo em desordem e uma esquerda órfã de esperança

No cenário internacional, a maré também é desfavorável. A ascensão da extrema direita em diversos países, a crescente descredibilização da democracia liberal e o avanço de plataformas autoritárias tornam o ambiente global hostil a experiências de esquerda, mesmo as mais moderadas. O mundo está menos tolerante à solidariedade, mais seduzido pelo egoísmo de mercado e pela retórica do medo.

A esquerda brasileira, nesse contexto, está órfã de referência e sem horizonte. O bolsonarismo, ainda forte, espreita cada deslize para tentar retornar. O centro político está esfarelado e o povo, em grande parte, descrente. A desmobilização das bases populares é sintoma disso: o lulismo institucionalizado venceu nas urnas, mas perdeu nas ruas.

Conclusão: o desafio de governar com coragem

Governar com coragem talvez seja o único caminho possível diante de um sistema que não quer reformas, não quer justiça social e não quer igualdade. O governo Lula 3 precisa escolher entre ser um administrador da própria impotência ou um catalisador de transformações, ainda que parciais. A esquerda, acossada, só sairá do cerco se voltar a fazer política com o povo , e não apenas com os partidos.

Enquanto o Centrão sonha em comandar a máquina, o mercado dita as regras do jogo, e o Congresso se autonomeia poder soberano, a esquerda precisa reaprender a lutar. E, sobretudo, a incomodar. Porque se a esquerda não serve para transformar, não serve para nada.

Trago Fatos , Marília Ms .

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