A Crise Da Masculinidade Moderna

 


Vivemos em uma era em que o autocuidado masculino foi elevado ao status de performance pública. O tiktoker de lifestyle-fitness-autocuidado não apenas ganha a vida postando rotinas milimetricamente orquestradas, como também acumula clout por lembrar fisicamente o ícone Patrick Bateman , o protagonista narcisista e assassino de Psicopata Americano. Quando assistimos, repetidamente, a vídeos de homens adultos passando o lençol com precisão cirúrgica ou alinhando frutas sobre o iogurte com a concentração de um cirurgião cardíaco, podemos afirmar, sem medo: algo deu muito errado na filosofia do "romantize sua vida".

Essa estética do cuidado virou encantamento excessivo, um embelezamento compulsivo da solidão e da rigidez emocional. A disciplina militar virou doutrina para a mente e o corpo, uma crença quase fanática de que o controle absoluto levaria à paz interior , ou, pelo menos, à imagem dela. E, como é de se imaginar, não basta apenas força de vontade: é preciso muito dinheiro para bancar esse estilo de vida "minimalista" cheio de suplementos caros, roupas neutras e eletrodomésticos inteligentes.

Por trás de rotinas tão sincronizadas e bens de consumo de primeira linha, uma pergunta inquieta: que outros ideais de sucesso, ultra performance e masculinidade sustentam tudo isso? A obsessão de tantos meninos da geração Z por Patrick Bateman é sintomática. O filme, originalmente uma crítica à masculinidade tóxica e ao vazio do capitalismo, foi tragicamente reinterpretado como modelo de comportamento. Quem diria que os metrossexuais dos anos 2000 se tornariam os soft-incels de hoje?

Sim, os homens estão cada vez mais sozinhos , e não estão bem com isso. Mesmo que tentem parecer. O estoicismo “aesthetic” nos vende que um homem verdadeiro é aquele que domina a si mesmo com punhos de ferro e que não precisa de ninguém. Casar, dizem os gurus, é um mau negócio. A rotina do “monge secular” exige silêncio, ausência de atrito, e isso só é possível quando o “outro” não atrapalha. Relações, sejam elas quais forem, implicam em caos , e caos não combina com perfeição visual. Assim, sobra apenas a imagem de si mesmo. Mas... é o suficiente?

O novo modelo de masculinidade não se orgulha de conexões, mas da solidão. No lugar de família, parceiros ou amigos, homens se comprometem com seu corpo, seu saldo bancário, sua produtividade, sua estética. O orgulho não está em amar bem, mas em seguir o protocolo.

Bryan Johnson, o bilionário que investe fortunas para não envelhecer, é o retrato extremo dessa lógica. Sua vida se resume a procedimentos, métricas e controle. O corpo virou máquina, a mente virou planilha. Tudo segue o protocolo , uma palavra que, neste contexto, significa não apenas regras e rotinas, mas uma cartilha ideológica do que é ser homem: disciplinado, invulnerável, irrepreensível. E, claro, esteticamente impecável.

Mas a estética virou mais do que aparência: é linguagem, é valor. A palavra aesthetic (pronunciada a-es-té-ti-qui) virou uma vibe, uma coleção de imagens, sons, objetos e rotinas que transmitem sensação de ordem, pertencimento e superioridade. Seja clean girl, barbiecore ou dark academia, tudo virou estética. E com o estoicismo visual não é diferente: trata-se da estética do silêncio, da rigidez, do corpo escultural, da dieta controlada, da vida sem emoções.

As interpretações contemporâneas do estoicismo foram estetizadas até o osso, e chamam esse sujeito de Homo aestheticus , um indivíduo que vive para projetar e consumir beleza. Ele não busca mais significado: busca design. Seu corpo virou marca. Sua rotina, vitrine. Sua mente, um conteúdo editado para o algoritmo. E isso custa muito caro , não apenas no bolso, mas na saúde psíquica.

Vivemos numa era em que o culto ao autocontrole virou culto à ilusão. E, como disse , essa ilusão é perigosa. Porque quando o homem falha , e ele vai falhar , não há lugar para o perdão, só para a culpa. Afinal, se você não é feliz, é porque não seguiu o protocolo direito.

Essa é a armadilha do desempenho total: viver para performar até o fim. Quem sabe assim, disciplinado, silencioso e sozinho , o homem finalmente vença até a morte. Ou morra tentando.

Trago Fatos, Marília Ms.

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