Pelúcias nas bolsas e adultos brincando: o escapismo fashion é um grito silencioso


Você já reparou na última trend das ruas, das redes e dos shoppings? Bolsas com pelúcias, pingentes enormes, chaveiros coloridos, personagens de infância pendurados como se gritassem: “Me leve de volta!”. Enquanto isso, adultos colecionam Sylvanian Families, Labo Boos e Sonny Angels com a mesma devoção com que, antes, colecionavam títulos acadêmicos ou promoções no trabalho. Tem também a febre dos livros de colorir para adultos — vendidos como ferramentas de relaxamento, mas que também tocam um lugar emocional, nostálgico e até infantil. Parece tudo inofensivo e fofo, e é. Mas também não é só isso.

Essa brincadeira visual e estética é um sintoma. Um retrato curioso, mas bastante revelador, de uma geração cansada. Um mundo em colapso silencioso, onde o escapismo virou não só uma tendência de comportamento, mas um mecanismo de sobrevivência. A moda, como sempre, não é apenas vaidade: é espelho.

Vivemos em permacrise — termo que mistura “permanente” e “crise” — porque é exatamente isso que enfrentamos: uma crise que não acaba nunca. Econômica, política, social, ambiental. As democracias estremecem, a desigualdade aumenta, a saúde mental derrete. E se tudo parece desabar do lado de fora, a internet também não dá trégua: o explore infinito do Instagram, do TikTok e de tudo que nos prende na tela tem um efeito zumbi. Estamos dopados de estímulos, distraídos até o esgotamento. O cérebro apodrece na repetição de vídeos curtos, enquanto a alma grita por algo mais real, mais lúdico — mais gentil.

É por isso que, em tempos difíceis, fugimos para épocas mais fáceis. É o retorno simbólico à infância, ao tempo em que as responsabilidades eram dos outros, e tudo que se esperava de nós era imaginação. Quem nunca desejou ser criança de novo? Quem nunca olhou para trás e suspirou? Só que a memória é traiçoeira. Há quem sinta até uma melancólica saudade do isolamento da pandemia — não da dor e da incerteza, mas dos pequenos hábitos offline, das ligações sinceras, do pão feito em casa, da esperança ingênua de que sairíamos melhores como humanidade.

E, bem… não saímos. Mas continuamos tentando, cada um do seu jeito. Alguns meditam. Outros viram estetas da nostalgia. A moda, então, capta essa necessidade emocional — e a transforma em tendência. Mas você acha mesmo que a moda acontece do nada? Não, querida. Isso é estudado, previsto e estrategicamente lançado. O capitalismo emocional sabe onde cutucar. Sabe que, se você está mal, um chaveiro de coelhinho pendurado na bolsa pode dar conta — ainda que por alguns minutos — de fazer você sorrir. E isso alavanca vendas, claro. O escapismo virou produto.

Por isso, personalizar bolsas virou uma forma de autoterapia. Carregar o símbolo da sua infância virou statement. E se parecer “bobo” é, na verdade, uma escolha estética potente: um protesto doce contra a dureza do mundo adulto. Talvez, no fundo, estejamos todos tentando ser gentis com nós mesmos. Em tempos em que tudo é muito — muito rápido, muito cruel, muito incerto — ser um pouco infantil é um jeito de respirar.

E aí, da próxima vez que você ver alguém com uma bolsa cheia de penduricalhos coloridos ou colorindo mandalas em um café, não julgue. Pode ser só moda. Mas também pode ser o único jeito que aquela pessoa encontrou de continuar.

Trago Fatos, Marília Ms.

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