O vício em dopamina : Como Bets, Instagram e relacionamentos tóxicos nos sequestram pela fantasia



Esses dias, em meio ao vai e vem da minha wishlist de livros na Skoob, topei com um livro sobre dopamina. Nada de novo, pensei. Mas bastou a primeira virada de página pra entender que ali estava a resposta de muita coisa que a gente sente , ou melhor, que a gente não entende por que sente. A dopamina não é a molécula do prazer. É a do desejo. E isso muda tudo.

Desejo é escassez. É ilusão. É possibilidade. E nada disso é estável. A dopamina é aquela voz que sussurra: “pode ser agora”, “pode vir algo bom”, “pode mudar sua vida”. Mas ela nunca garante nada. Ela não premia. Ela só antecipa. E quanto mais imprevisível for a recompensa, mais a gente se agarra na esperança do que poderia ser. É aí que está a armadilha , e ela tem várias faces: as bets, os relacionamentos tóxicos e o Instagram são algumas das mais perversas.

Vamos começar com os relacionamentos. Paixão, todo mundo sabe, tem prazo de validade. Mas ninguém te explica por que. É que paixão é a dopamina em modo turbo: a incerteza se a pessoa gosta de você, a espera pela mensagem, o jogo de se fazer desejado. É o "erro de previsão" , quando você espera uma coisa, mas vem outra. Isso ativa a dopamina. E nos prende.

Relacionamentos tóxicos são mestres nesse jogo. A pessoa te dá um pouco de carinho hoje, amanhã te ignora. Te promete algo, depois desmente. Um "eu te amo" num dia e um ghosting no outro. E você continua ali, apertando a alavanca como o ratinho do experimento, esperando o biscoito emocional que nunca vem — ou que vem em momentos aleatórios. É vício, não amor. É dopamina, não afeto. E quanto mais imprevisível, mais viciante. A prisão é invisível, mas está no seu sistema nervoso.

As redes sociais operam no mesmo mecanismo. Você não abre o Instagram porque quer ver uma coisa específica. Você abre porque não sabe o que vai encontrar. Pode ser uma foto que te inspire, uma notícia que te choque, uma curtida que te valide, ou um comentário que destrua sua autoestima. O feed é um campo minado de dopamina. A cada atualização, o cérebro pergunta: “será que agora vem algo bom?”.

Os algoritmos sabem disso. Eles não estão tentando te satisfazer. Estão tentando te manter desejando. Scroll infinito. Reels. Stories. Likes. Notificações que não dizem nada. Uma máquina de prometer recompensas que nunca chegam completamente. E assim como no amor tóxico, você nunca tem certeza de nada. E é isso que te vicia.

Agora imagine esse mesmo mecanismo aplicado ao dinheiro. As apostas , sejam esportivas, de cassino, day trade ou o que for , são a versão capitalista do “será que agora vai?”. Você não aposta pelo prazer de ganhar. Você aposta pelo desejo de ganhar. É a possibilidade de que, com um clique, a sua vida mude.

E quando perde, a lógica é a mesma do relacionamento tóxico: “foi só hoje, na próxima vai dar certo”. Quando ganha, o cérebro quer repetir o prazer. Quando perde, quer corrigir o erro. E assim se constrói o looping. Ninguém vicia no que é certo. O vício mora na incerteza da recompensa.

O pior é que o sistema é inteligente. As bets, o Instagram e os relacionamentos tóxicos operam como simulacros de felicidade. Prometem mudança, amor, riqueza, autoestima, pertencimento. Mas entregam apenas migalhas suficientes para te manter tentando.

Tudo isso faz parte de um contexto maior: vivemos numa sociedade que aprendeu a lucrar com a nossa ansiedade. O capitalismo de hoje não vende apenas produtos. Vende desejos. Vende a expectativa de que um dia seremos mais magros, mais ricos, mais amados, mais seguidos. Só que nunca chegamos lá. Porque se a promessa se realizasse, o sistema pararia de funcionar.

E com isso, nos vendem o amor como dor, o entretenimento como obsessão, e o sucesso como sorte. Ninguém mais quer viver o presente. Todo mundo está esperando alguma coisa acontecer. Vivemos para aquele segundo de dopamina. Um like, uma notificação, uma mensagem, um "sim". Vivemos como ratinhos , ansiosos por uma recompensa que nunca se firma.

A única saída é a consciência. Conhecer esse mecanismo é o primeiro passo pra desarmá-lo. Saber que o que te prende àquela pessoa, àquela rede, àquela aposta, não é amor, nem afeto, nem diversão. É dopamina. É o engano de que “agora vai”.

Tomar de volta o controle é entender que a vida real, o amor real, a construção de autoestima e a felicidade duradoura não são feitas de expectativas voláteis. Elas são feitas de presença, de realidade, de certeza. E a certeza, embora menos excitante, é infinitamente mais segura. Amar é saber. Viver bem é escolher. E se libertar é dizer “não” à fantasia para dizer “sim” ao que é real.

Porque enquanto continuarmos esperando o inesperado, seremos sempre vítimas de um sistema que não quer nos ver livres , quer nos ver viciados.

Trago Fatos , Marília Ms.

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