O Evangelho virou empresa? O dia que americanizaram as igrejas evangélicas no Brasil
Cristianismo agora virou um lifestyle, né?
Não é mais sobre fé, espiritualidade, transformação ou comunidade. Agora é sobre look de domingo, equipe de marketing, termos em inglês, palco com luz de LED, voluntariado com escala de RH e a estética da perfeição que mais parece um feed de Instagram gospel. O altar virou palco, a Bíblia virou slogan e o culto virou evento. Se antes a igreja era refúgio, hoje ela é vitrine. E não qualquer vitrine , uma vitrine inspirada diretamente no modelo das megaigrejas americanas. Tudo tem cheiro de Starbucks, cara de startup e voz de influenciador motivacional.
Bem-vindo à era das “churchs” e não das igrejas.
Vamos começar com o básico. Agora, para servir, você precisa “aplicar”. E não é força de expressão: tem ficha, entrevista, treinamento. Você é recepcionista? Ah não, você é do Welcome Team. Cuida das crianças? Kids Experience. Quer ajudar com louvor? Worship Leader. O que era chamado de “servo” agora virou “colaborador”. Você tem que ter carisma, saber se portar e, claro, inglês intermediário. Porque se você não sabe o que é um briefing, talvez Jesus nem fale contigo, né?
Qual seu nome e área que você serve?
Essa frase virou rotina no culto de domingo. Você não é mais irmão, irmã ou membro. Você virou um crachá ambulante. E se bobear, até o seu dízimo agora vem com QR Code, plano mensal, Pix com descrição e cashback celestial. Tem que pagar no débito ou no crédito?
Os cultos viraram eventos. Começam pontualmente, têm roteiro, cronômetro, iluminação e transições visuais. A pregação é uma TED Talk sobre como ser a melhor versão de si mesmo, com fundo musical dramático e slides animados. O louvor é performance , voz afinada, microfone sem fio, telão ao fundo e, claro, aquela estética de clipe indie cristão com vibes de Hillsong e Elevation.
Não tem mais coral desafinado, nem aquela irmã que chora no meio do louvor desafinando no tom. Isso é desorganizado, não “vende bem”. Hoje tem ensaio, tem harmonia vocal, tem figurino. O mover de Deus precisa estar em alta definição e com boa iluminação. Se o Espírito Santo não se manifestar em 4K, a gente agenda um novo culto.
Parece piada, mas não é. Essa frase foi dita de forma literal em muitas dessas igrejas: “vamos constranger com o amor”. O amor virou técnica de venda. As boas-vindas são automáticas, os sorrisos treinados, os abraços cronometrados. É um protocolo de acolhimento onde todo mundo parece estar vendendo algo — a fé como produto, a igreja como marca, a comunidade como clube seleto.
Não é mais “quem tiver sede, venha e beba de graça”. É “quem tiver engajamento, venha e sirva com excelência”. Parece espiritualidade, mas é estratégia. Parece comunhão, mas é networking.
Com tanto camp, experience, church team, dream team, worship night, você fica na dúvida se ainda está em solo brasileiro. Onde estão os círculos de oração? As escolas dominicais? Os ensaios dos jovens com caderno de canto da Harpa Cristã? Sumiram. Foram substituídos por mentorings, leaders calls, after services e testimonies time. Se bobear, para pedir bênção, vai ter que orar: “God, please, bless me with a new car. In Jesus’ name, amen”. Porque o céu parece estar com o Google Tradutor ativado.
Vamos combinar, o novo modelo de igreja-corporativa tem uma intenção clara: sucesso. E não o sucesso espiritual, mas o sucesso visível, financeiro, mensurável. É sobre crescer, lotar auditório, alcançar seguidores, monetizar YouTube, vender livro, e eventualmente fazer collab com celebridade. “Qual famoso você gostaria que fosse crente?” – como se a conversão de alguém fosse um evento pop e não um reencontro com a própria alma.
Pedir que Olivia Rodrigo se converta pra lançar hits gospel pras girly girls não é só uma brincadeira tola. É um reflexo direto de como o mercado tomou o púlpito. O Evangelho virou branding. A fé virou fandom. E o sagrado virou cenário.
Parece até blasfêmia pra alguns, mas é bíblico: tem uma cena em que Jesus entra no templo, vê comércio onde era pra haver oração, e simplesmente quebra tudo. Derruba mesa, expulsa cambista, vira as bancas. Sabe por quê? Porque o sagrado estava sendo vendido. Estava sendo manipulado. E não era à toa que Ele gritava “vocês transformaram a casa do meu Pai em covil de ladrões!”.
Agora me diga: será que, se Cristo voltasse hoje, Ele reconheceria essas igrejas como casa do Pai ou como mais uma empresa bem-sucedida com sede em Alphaville e plano de expansão para o Texas?
Nada contra inovação, estrutura, excelência. Mas quando a essência se perde no meio do espetáculo, quando a comunhão vira reunião de pauta, e o culto vira só mais um evento para stories, é hora de parar e perguntar: de quem é a glória mesmo?
Porque o Cristo que lavou os pés dos discípulos não precisa de palco nem de camarim.
O Evangelho não precisa de palco. Precisa de gente. Gente com fé, com dúvida, com dor, com arrependimento, com amor de verdade. Precisa de igrejas que acolham sem estratégia de engajamento, que sirvam sem agenda corporativa, que evangelizem sem merchandising.
Trago Fatos , Marília Ms.
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