O amor no modo avião: Por que está cada vez mais difícil fazer romances sobre a geração Z


Já reparou como os filmes de romance sobre adolescentes parecem ter parado no tempo? Ainda temos os armários do ensino médio, o capitão do time de futebol e a líder de torcida loira. Só que a vida real passou, e passou com força. Os adolescentes de hoje não vivem mais esse enredo. Eles estão com os olhos colados em telas, com a alma conectada por Wi-Fi e os sentimentos sendo filtrados por mensagens que podem ser deletadas antes mesmo de serem lidas.

Fazer romances sobre a geração Z virou um desafio , e os celulares são os grandes vilões (ou heróis?) dessa história.

A adolescência é, por natureza, cinematográfica. Existe algo de universal e atemporal em se apaixonar pela primeira vez, em ter o coração partido, em passar bilhetes na sala de aula ou encontrar o nome da pessoa amada rabiscado na carteira. Essas pequenas ações sempre foram grandes o suficiente para carregar um filme inteiro. Mas… o que acontece quando todo esse universo sensível, silencioso e cheio de nuances é substituído por um emoji azul visualizado às 16h27 e ignorado até o dia seguinte?

A forma de amar mudou. E o cinema ainda não sabe o que fazer com isso.

Romances precisam de tensão. De obstáculos, de tempo e espaço para que os sentimentos cresçam. Um bom mal-entendido sempre moveu as melhores comédias românticas. Pense em Diário de uma Paixão: o amor só sobrevive porque existe uma falha na comunicação , ele mandou cartas, ela nunca recebeu, e isso bastou para separá-los por anos. Hoje, Noah poderia resolver tudo com um “oi sumida” no WhatsApp, um vídeo no TikTok com uma legenda melancólica ou uma figurinha dramática de K-pop. Fim do mistério. Fim do romance.

Só que a audiência não quer resolução. Ela quer emoção. Quer sofrer, torcer, esperar. Mas como construir isso em um mundo onde tudo é imediato?

A realidade amorosa da geração Z se resume a seguir alguém no Instagram, responder um story, trocar figurinhas no WhatsApp, mandar áudios no modo 1.5x. As crises de relacionamento são resolvidas (ou causadas) por um print, um bloqueio, um visualizado sem resposta. Não há mais declarações sob a chuva, mas sim reels com legendas dramáticas. A vida afetiva virou conteúdo. E o conteúdo não é sempre cinemático.

As produtoras tentam. Mas o que temos é um mar de filmes desconectados da juventude que fingem compreender. Usam gírias que ninguém usa, colocam atores de 27 anos fingindo ter 16, com histórias que parecem ter saído de um revival dos anos 2000 — com bullying à base de tropeços no corredor e menções a bailes de formatura que já não têm tanto apelo. A realidade é outra: o bullying acontece em grupos secretos, onde adolescentes são excluídos virtualmente, silenciados nas redes, expostos por screenshots. Mas mostrar isso de forma tocante exige criatividade, sensibilidade e, acima de tudo, um compromisso com o que realmente está acontecendo.

Não é que a geração Z não ame. Eles amam. E muito. Só que de um jeito que ainda não aprendemos a filmar.

Existem exceções, claro. Algumas produções acertam em cheio ao capturar essa sensibilidade digital sem parecer oportunistas. Eighth Grade, Heartstopper, Sex Education, Young Royals… esses títulos começam a tocar, com honestidade, a complexidade de crescer e amar nesse tempo de exposição constante, ansiedade social e relacionamentos líquidos. Mas são poucos. E, ainda assim, caminham no limite entre a representação realista e a dificuldade de traduzir os códigos de uma geração que vive em fluxo.

O celular não matou o amor adolescente. Ele só o transformou em algo mais efêmero, mais codificado. Talvez o que falte ao cinema seja parar de tentar traduzir isso nos moldes antigos e começar a ouvir. Ouvir os jovens. Suas dores. Seus silêncios. Seus likes não correspondidos. Suas mensagens apagadas antes do envio.

Porque se a adolescência continua sendo cinematográfica,e ela é , então o desafio agora é só encontrar a linguagem certa. A lente certa. O roteiro que aceite que nem todo amor nasce no pátio da escola. Alguns nascem no “visto por último hoje às 23h40”.

Trago Fatos , Marília Ms.

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