Ninguém suporta o" mimi" vindo de um militar.
Vim de ver um vídeo , mais um , de um militar criticando a resistência contra o fim da escala 6x1. Segundo ele, os militares já trabalham 6x1, 7x0 há tempos e não estão reclamando. Mas talvez o problema esteja exatamente aí: na ideia absurda de que o silêncio forçado ou a resignação diante da exploração é virtude. E mais ainda, na ideia perigosa de que as Forças Armadas são parâmetro legítimo de comparação com os trabalhadores do setor produtivo do país. Não são. Não deveriam ser.
Vamos começar de uma vez por todas: militar precisa parar de dar opinião sobre a economia como se estivesse produzindo riqueza neste país. Não está. Não é da economia real. As Forças Armadas não movimentam o PIB, não criam empregos, não geram soluções estruturantes para os problemas sociais do Brasil. Elas existem, em tese, para proteger o território nacional e servir ao povo. E só. Mas o que se vê é uma inversão: o povo é quem serve às Forças Armadas.
É o trabalhador 6x1, aquele que acorda às 5 da manhã para pegar ônibus lotado e que não tem direito a reclamar de dor nas costas ou dos domingos longe da família, quem paga, com suor e impostos, cada centavo do que o Exército brasileiro gasta com leite condensado, Viagra e prótese peniana. E isso não é meme. É gasto público documentado. Combinação esquisita pra quem passa tanto tempo no mato, né? Mas deixemos o deboche por ora e sigamos com a crítica estrutural.
Do lado de cá, do lado da economia real, se você erra feio no seu trabalho, você é demitido. Simples assim. A empresa não finge que você morreu para garantir uma pensão vitalícia à sua família. Aqui, não tem aposentadoria precoce nem estabilidade eterna. Não tem hospital exclusivo, colégio militar de elite nem férias no hotel de trânsito bancado com dinheiro público. Não tem gratificação por tempo de serviço, por troca de posto, por existir. Aqui não tem 13º do 13º.
Não dá pra continuar fingindo que as Forças Armadas são exemplo de disciplina e sacrifício enquanto gozam de uma estrutura de privilégios inimagináveis para o trabalhador comum. O cara que vende chip no shopping, que trabalha como caixa de supermercado, que rala no chão de fábrica, não tem curso de idiomas custeado dentro do trabalho, não tem escolinha premium para os filhos, não tira carteira de habilitação dentro da empresa. Esse cara, sim, trabalha 6x1 com sangue nos olhos e salário mínimo na conta. E quando tenta reclamar, ainda tem que ouvir sermão de um militar que vive em outra realidade — uma realidade subsidiada por ele próprio.
E tem mais: militar precisa entender que hierarquia e disciplina servem para o quartel, não para o debate público. Servir ao povo é diferente de querer tutelar o povo. E é isso que está acontecendo. Parte significativa da ala fardada, em especial a que se aproximou demais da política nos últimos anos, esqueceu sua função institucional e passou a agir como uma casta à parte. Uma casta que se vê no direito de opinar, interferir, orientar e, em muitos casos, manipular a opinião pública , mesmo sem nunca ter passado pela experiência real do trabalhador brasileiro.
É uma distorção imensa que um setor que não produz, que vive de recursos públicos e que se especializou em manter privilégios se posicione como se fosse referência moral ou laboral para o povo. Não é. Não pode ser. Militar não é empresário. Não é operário. Não é agricultor. Não é educador. E nem é servidor público no sentido de servidor, porque já não serve ao povo, apenas a si mesmo.
Enquanto isso, os trabalhadores da 6x1 estão tentando, timidamente, garantir um descanso semanal digno, mais saúde mental, mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal. E toda vez que isso avança, aparece um militar com cara de mártir, dizendo que o Brasil vai parar, que é mimimi, que no quartel se trabalha mais. Como se um modelo de trabalho que aliena, silencia e pune fosse algo a ser copiado.
Talvez o Brasil precise, mais do que nunca, repensar o papel das suas Forças Armadas. Em vez de tutelar o país, que tal cuidar das fronteiras, defender a soberania, ajudar em tragédias naturais e deixar de se meter onde não é chamado? Militar bom é aquele que faz seu trabalho com excelência, e em silêncio. Porque, no fim das contas, quem paga o salário deles somos nós. E quem paga, decide. Ou pelo menos deveria decidir.
Se os patrões estão discutindo a escala da classe trabalhadora, os militares deveriam ser os primeiros a entender: não é da conta deles. Não é a realidade deles. E não é o papel deles. Voltem para o lugar que deveriam ocupar , e parem de falar como se fossem exemplos. Porque se tem algo que está longe de ser exemplo neste país, são justamente as instituições que não aceitam ser questionadas enquanto sugam do povo até o último centavo.
E não se esqueçam: privilégio sem entrega é parasitismo. E isso, nem o mais patriótico dos discursos consegue justificar.
Trago Fatos, Marília Ms.
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