Muito se fala da geração Z, mas pouco se fala da hipocrisia das gerações que esperam nossa escravidão moderna
Muito se fala por aí que as novas gerações estão “estragadas”. Que viraram em céu, misógino e café com Deus Pai , uma crítica ácida à nossa pluralidade, à nossa liberdade de expressão, à forma como encontramos refúgio na espiritualidade e ao mesmo tempo criticamos a religiosidade opressora. Dizem que somos frágeis, imediatistas, desconectados da realidade, preguiçosos. Mas quase ninguém fala sobre como as gerações anteriores, tão cheias de “razão”, esperam até hoje que sejamos escravos da mesma lógica que as aprisionou e que agora, com gosto, querem perpetuar.
As mesmas bocas que nos chamam de frágeis são as que normalizaram trabalhar 20 horas por dia em pé, ganhando um salário que mal paga a condução. São as que acham que “trabalhar até morrer” é virtude, e não abuso. Que romantizam a dureza da vida como se fosse um troféu moral. “Na minha época, era tudo mais difícil!” , dizem. Sim, era. E justamente por isso queremos que AGORA seja diferente. Progresso, sabe?
Mas a resistência é grande. É como se para que a dor deles tivesse valido a pena, nós precisássemos sofrer também. Como se a dignidade fosse um prêmio que só se alcança pelo esgotamento, pela exaustão, pelo sofrimento. Um ciclo perverso que veste de honra o que na verdade é exploração.
A geração Z, essa tão criticada, é a que ousa dizer “não”. É a que olha para um “emprego dos sonhos” e pergunta: “Mas eu vou ter saúde mental? Vão respeitar meu horário de almoço? Vai pagar no dia certo? E plano de saúde, tem?”. E isso incomoda profundamente uma geração acostumada a baixar a cabeça, a aceitar ordens sem questionar, a agradecer qualquer migalha.
O mercado de trabalho, em muitos aspectos, ainda vive sob a “lei do cão”. Um lugar onde o trabalhador deve sorrir por estar empregado, mesmo que sua função o adoeça física e psicologicamente. Um lugar que chama de “mimo” o básico: ar-condicionado, pausas regulares, salário digno, direitos garantidos. E quando a geração nova se recusa a aceitar um “pão mofado” como almoço e salário ao mesmo tempo, o que fazem? Reclamam.
“A geração Z não quer mais trabalhar!” , berram. Não, querida. A gente só não quer morrer trabalhando. A gente não quer vender nossa juventude em troca de um INSS que talvez nunca chegue. A gente quer viver. E se isso parece absurdo pra vocês, talvez o problema não esteja na nossa geração, mas na normalização da opressão disfarçada de compromisso.
É claro que existem exageros, como em toda geração. Há gente que quer pular etapas, que acha que sucesso é viralizar um vídeo e pronto. Mas não é isso que define toda uma juventude. A geração Z é também a que empreende com pouco, que estuda com vídeos no YouTube, que cria startups, que organiza a própria agenda com três freelas e ainda cuida da saúde mental como prioridade. É a que expõe assédio, que luta contra o racismo, que exige representatividade, que entende que trabalho não é mais tudo , é só parte da vida.
E isso incomoda, porque exige mudança. Porque quebra a estrutura de obediência. Porque desloca o centro do poder.
O mundo está mudando, e querer que a juventude continue aceitando as mesmas regras de sempre é um pedido cruel. Se antes o “normal” era sacrificar a vida por um crachá, hoje a pergunta é: vale a pena? A geração Z é incômoda porque ela escolhe. Escolhe o que consumir, onde trabalhar, quando sair, com quem casar , ou se não casar. Escolhe seu tempo, sua narrativa, seu futuro.
E isso, para muitos, é revolucionário demais.
Então, antes de dizer que a geração Z está estragada, talvez seja hora de olhar para o que vocês chamaram de normal por décadas. Porque o que vocês viveram não foi resiliência: foi sobrevivência disfarçada de disciplina. E nós não queremos apenas sobreviver. Queremos viver.
Com dignidade, com saúde, com escolha. E, principalmente, sem pão mofado disfarçado de oportunidade.
Trago Fatos, Marília Ms.
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