Minha avó me ensinou a viver sem medo e eu queria que todos tivessem esse privilégio




Minha avó gostou de mim de um jeito que o mundo, com sua pressa e indiferença, desaprendeu a gostar. Ela me amou com tempo , esse mesmo tempo que todos hoje parecem fugir , com presença, com entrega, com doçura. E por ela ter me amado com tanta inteireza, eu ganhei coragem. Coragem pra me mostrar, pra tentar, pra cair e levantar. Ela me deu um tipo de segurança que nem sempre a vida dá: a segurança de ser vista. A segurança de existir sem pedir desculpas.

Foi por causa da minha avó que eu aprendi que eu não precisava ser perfeita pra ser amada. Que eu não precisava esconder minhas falhas, silenciar minhas vontades ou tentar me encaixar num molde que não era meu. Foi com ela que eu entendi que amor de verdade não é aquele que exige, que cobra ou que aponta o dedo. É o amor que acolhe. Que ouve. Que segura na mão.

Minha avó me deu permissão pra ser ridícula. E isso, pra mim, é um dos maiores presentes que se pode receber. Porque quem vive com medo do ridículo, vive encolhido. Vive pisando em ovos. Vive tentando agradar os outros, enquanto se abandona. Mas eu não. Eu dancei sem saber dançar. Eu ri alto. Eu chorei sem me esconder. Eu falei demais. Eu fui intensa. E fui tudo isso com orgulho, porque fui amada. Fui amada com liberdade. Fui amada por inteiro.

Eu não tenho medo de morrer. Parece estranho dizer isso, né? Mas é verdade. Quando a gente experimenta um amor tão puro, tão absoluto como o amor de uma avó, a morte deixa de ser esse monstro terrível. Não é que eu queira partir. Mas eu sei que, quando chegar a hora, terei vivido algo tão verdadeiro que a minha existência já terá valido a pena.

Minha avó foi minha melhor amiga. A mais improvável e, ao mesmo tempo, a mais perfeita. Ela sabia de coisas que nem minha mãe sabia. Ela sabia dos meus medos secretos, dos meus amores impossíveis, das minhas crises existenciais. Ela ouvia tudo com um olhar cheio de paciência e uma sabedoria que só os anos trazem. E mesmo sem entender tudo o que eu dizia, ela entendia a coisa mais importante: como eu me sentia. E é isso que importa no fim.

Mas o mais bonito da nossa relação é que ela também aprendeu comigo. Ela, que veio de uma geração cheia de silêncios, cheia de “isso não se fala”, cheia de “mulher tem que engolir”, foi se abrindo. Foi se permitindo. Foi se libertando. Eu vi preconceitos caírem dos olhos dela. Vi certezas antigas sendo questionadas. Vi uma mulher que carregava traumas profundos se reencontrando com a leveza. Minha avó, no final da vida, virou aprendiz. E isso foi um milagre.

Porque, no fundo, é isso que toda relação precisa ser: troca. Crescimento mútuo. Mão dupla. Netos têm tanto a aprender com seus avós. Mas os avós também têm muito a ganhar com os netos. O problema é que estamos criando uma geração que não olha pra cima. Que não escuta. Que prefere conversar com uma tela do que com quem tem décadas de história no olhar.

É triste ver como muitos jovens hoje se afastam de seus avós como se eles fossem apenas parte da mobília da casa. Estão ali, mas ignorados. Não por maldade, mas por distração. Por pressa. Por essa cultura do “depois eu vejo”, “depois eu ligo”, “depois eu visito”. Só que, de repente, o depois vira nunca. E o que fica é o arrependimento de não ter vivido o que se poderia.

Uma relação com um avô ou uma avó não se constrói de um dia pro outro. Requer tempo, afeto, curiosidade. Requer sentar do lado, fazer perguntas, ouvir histórias. Às vezes, é difícil romper a barreira do silêncio, do costume, das distâncias. Mas vale a pena tentar. Porque do outro lado pode estar uma pessoa cheia de amor pra dar. E cheia de coisas pra ensinar.

Se eu pudesse dar um conselho, seria: não espere que seus avós morram pra dizer que você os amava. Não espere o enterro pra chorar o que você não viveu. Sente no sofá, pegue na mão, pergunte sobre o passado. Faça com que seus avós se sintam importantes. E permita que eles conheçam quem você é também. Porque eles podem ser os únicos que vão te amar de forma incondicional. Eles não estão aqui pra sempre , e nós também não.

Minha avó me ensinou a viver. E me ensinou, sem querer, que o amor pode transformar tudo. Pode curar feridas antigas. Pode libertar correntes invisíveis. Pode reconstruir uma mulher inteira, mesmo depois de décadas de silenciamento. O amor da minha avó me moldou. E eu, de alguma forma, também a transformei.

Hoje, quando penso nela, sinto uma gratidão que não cabe em palavras. E uma saudade que também não. Mas, acima de tudo, sinto que vivi algo raro. Algo sagrado. Algo que queria que todo mundo pudesse viver: o privilégio de ser profundamente amado por alguém que só queria te ver feliz.

Se você ainda tem seus avós vivos, vá até eles. Mesmo que vocês não sejam tão próximos. Mesmo que você ache que não vai ter assunto. Tente. Você pode estar perdendo a chance de viver o amor mais puro da sua vida. E eles, de viver o orgulho de serem lembrados. Porque um avô esquecido é um pedaço da nossa história que desaparece sem deixar herança.

E eu te digo com o coração: ser amada pela minha avó foi a base que sustentou tudo que eu sou. E se hoje eu caminho sem medo, é porque um dia, lá atrás, ela me segurou firme pela mão e disse, com o olhar: “Vai. Eu estou com você.”

E eu fui.

Trago Fatos , Marília Ms.


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