Emma: Entre páginas e telas


A obra Emma, de Jane Austen, é um clássico da literatura inglesa que continua a gerar reflexões, encantamentos e, por que não, controvérsias, especialmente quando comparamos o livro com sua adaptação cinematográfica mais recente, estrelada por Anya Taylor-Joy. Embora ambas as versões compartilhem a mesma essência, os caminhos narrativos que percorrem são bastante distintos. E isso, para mim, não é algo negativo , mas sim uma oportunidade de olhar para uma mesma história sob diferentes perspectivas.

O livro, com seu ritmo mais lento e detalhado, convida o leitor a mergulhar no cotidiano da alta sociedade inglesa do século XIX. A leitura, porém, pode se tornar desafiadora, principalmente para quem não está habituado a certos termos da língua inglesa ou às sutilezas da escrita de Austen. Ainda assim, é exatamente essa riqueza de detalhes, essa observação perspicaz dos costumes e comportamentos, que torna a obra literária tão fascinante. A autora não apenas conta uma história: ela nos revela uma época, com todas as suas contradições e jogos sociais disfarçados de romance.

No cinema, por outro lado, a narrativa ganha agilidade. O filme de 2020 é visualmente deslumbrante: os figurinos, a paleta de cores e os cenários recriam com precisão o período da Regência inglesa, ao mesmo tempo em que adicionam um toque moderno que não fere a estética da época. A trilha sonora, que mistura elementos clássicos com arranjos mais ousados, contribui para o dinamismo da trama. Tudo é feito para atrair o olhar contemporâneo, sem desrespeitar o espírito da obra original.

Contudo, é inegável que essa busca por dinamismo sacrifica parte da complexidade emocional dos personagens. Enquanto no livro acompanhamos os pensamentos, as dúvidas e o amadurecimento de Emma em profundidade, no filme essas nuances são mais sutis, por vezes até ofuscadas pela estética apurada. A versão de Anya Taylor-Joy, embora encantadora, apresenta uma Emma mais altiva e distante, o que pode dificultar a identificação com a personagem para quem espera uma heroína mais calorosa.

Outro ponto relevante é o romance entre Emma e Mr. Knightley. No livro, essa relação é construída com delicadeza e paciência, tornando-se crível e emocionalmente satisfatória. No filme, o tempo de tela não permite a mesma construção, e isso pode causar estranhamento em quem não conhece a obra literária, dando a impressão de um desfecho apressado.

Mas Emma vai além de um simples romance. É uma obra que fala sobre crescimento pessoal, sobre como ajudar sem interferir, e sobre a difícil arte de reconhecer os próprios erros. Emma, com suas ideias ousadas e, muitas vezes, impulsivas, tenta "salvar" sua amiga Harriet de um destino que ela considera medíocre , casar por conveniência. Há aqui uma crítica potente à estrutura patriarcal da época, e uma semente do que hoje reconhecemos como empoderamento feminino. Contudo, essa militância precoce também escorrega: Emma acaba afastando a amiga de um amor verdadeiro, o que levanta questões sobre limites, escolhas e respeito ao desejo do outro.

E é aí que Mr. Knightley se torna essencial. Ao contrário de muitos protagonistas masculinos do século XIX, ele não pressiona Emma, não a inferioriza , apenas deseja que ela se torne uma versão melhor de si mesma. É um mocinho sensato, humano, que enxerga além da superfície e valoriza a essência.

Ao fim da leitura e da sessão de cinema, mantenho meu parecer: ambos merecem nota 5. Livro e filme se complementam. Um aprofunda, o outro dinamiza. Um encanta com palavras, o outro com imagens. Ambos trazem lições valiosas sobre relações humanas, virtudes, escolhas e, principalmente, sobre o quanto é possível amadurecer — com humor, com ironia, e com sensibilidade.

Trago Fatos , Marília Ms.


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