A teoria do salto alto: o que o tamanho dos saltos revela sobre a economia de um país


Quando a moda encontra a economia, o salto pode ser mais do que um acessório , ele vira um termômetro do humor coletivo. A chamada "teoria do salto alto", embora não seja oficial ou embasada por estudos científicos rigorosos, carrega um simbolismo poderoso sobre como nos vestimos em tempos de prosperidade ou crise. É quase como se os pés das mulheres (e de quem mais calça saltos) contassem a história que os gráficos econômicos tentam esconder.

Para entender essa teoria, é preciso calçar os sapatos da história , literalmente.

Anos 20: a esperança pós-guerra e o salto moderado

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, o mundo respirou um suspiro de alívio coletivo. A década de 1920, conhecida como os anos dourados ou os loucos anos 20, trouxe uma onda de euforia cultural, liberdade feminina e crescimento econômico em algumas regiões. Nesse período, os saltos mantinham-se em torno de 5 centímetros , elegantes, mas ainda confortáveis o suficiente para quem queria dançar o charleston com leveza.

O salto moderado traduzia bem o espírito de quem tentava reconstruir a vida sem perder o glamour. Era um símbolo de progresso com responsabilidade.

Grande Depressão e o salto como resistência silenciosa

Quando a crise de 1929 varreu Wall Street, levando consigo fortunas, empregos e estabilidade, o mundo mergulhou numa recessão que duraria mais de uma década. Curiosamente, os saltos começaram a subir. Chegaram aos 8 centímetros, desafiando a lógica do conforto.

Era como se o salto dissesse: “A vida está difícil, mas eu ainda posso ser bela, posso parecer rica, posso flutuar acima da realidade.” Nesse cenário, o salto alto não era apenas um acessório, mas uma estratégia psicológica. A moda, como sempre, servia de escudo e linguagem.

E é nesse momento que surge Salvatore Ferragamo, um dos nomes mais relevantes da moda italiana, trazendo a plataforma como inovação , e, por que não dizer, como tática de sobrevivência estilística. Mais altura, mais presença, mais opulência em um mundo que oferecia escassez.

Anos 50 e 60: a revolução do conforto e a reconstrução social

A partir da reconstrução do pós-guerra e da estabilidade econômica que muitos países passaram a experimentar no final dos anos 50, houve uma guinada para o conforto. As sapatilhas, os saltos baixos, as sandálias abertas começaram a ganhar destaque. O conforto passou a ser, paradoxalmente, um luxo. E com a explosão cultural dos anos 60 , da música à moda , o sapato tornou-se um símbolo da liberdade criativa.

O consumo ainda existia, mas era menos sobre parecer rica e mais sobre ser autêntica, confortável e moderna.

Crises dos anos 70: quanto pior a economia, mais alto o salto

A década de 70 foi marcada por três grandes crises econômicas, incluindo o colapso do sistema de Bretton Woods e os dois choques do petróleo. Nesse contexto, vemos novamente o salto voltando a crescer. A austeridade nas políticas econômicas contrastava com a extravagância dos visuais. As roupas mais ousadas, os sapatos mais chamativos, os saltos exagerados , tudo isso servia como uma tentativa quase desesperada de afirmar uma identidade em meio à instabilidade.

E mesmo com a inflação galopante e o desemprego crescente, as pessoas continuavam comprando, mesmo que fosse algo inútil e absurdamente caro. Era como se o consumo performático fosse um último respiro de dignidade.

Anos 80 e o boom dos tênis: quando o conforto vira statement

Os anos 80 chegam com um novo protagonista no mundo dos calçados: o tênis. Impulsionado pelo crescimento da cultura de rua, do rap, do hip-hop e da ascensão de marcas como Nike e Adidas, os tênis deixaram de ser apenas itens esportivos para se tornarem símbolos de status urbano.

Mais do que isso: eles falavam de um novo tipo de poder. O poder jovem, o poder periférico, o poder do conforto que virou tendência.

Anos 2000: plataformas, internet e o caos da estética

Com a virada do milênio, a moda começa a entrar num ciclo de excesso e confusão estética. A internet acelera o ritmo das tendências, e muitas economias, sobretudo nos países que não acompanham esse avanço tecnológico ,enfrentam rupturas. É nesse ambiente que surgem as botas “gordas”, de sola grossa, exageradas.

O salto, novamente, é um exagero em tempos de desequilíbrio. Ele não é prático, ele não é racional. Mas ele é visível. E é isso que importa em tempos de incerteza: ser notado, mesmo que isso custe caro.

Hoje: a era da ostentação e a ilusão da classe

Nos dias atuais, a teoria do salto alto se desdobra para além dos calçados. Não é mais só o salto que sobe , é a ostentação como um todo. Influencers em países devastados por crises sociais e econômicas exibem closets com roupas de marca, coleções de bolsas e sapatos que poderiam sustentar uma família por um ano.

Não é mais apenas sobre estar acima da realidade, mas sim, fora dela. É construir uma bolha social na qual o sofrimento coletivo é camuflado por um filtro do Instagram.

É aqui que entra o exemplo brilhante e cruel do lollipop holder da Fendi. Um acessório caríssimo para segurar um pirulito. Um objeto que não serve para nada , exceto provar que você pode pagar por ele.

E o salto? Continua alto para quem precisa pisar sobre a crise e fingir que ela não está ali.

Conclusão: a economia pelos pés

A “teoria do salto alto” não é sobre sapatos. É sobre o corpo como vitrine e escudo. É sobre como, em tempos de crise, muitos escolhem a estética da abundância para mascarar a escassez. É sobre como a moda não apenas acompanha, mas também responde às dinâmicas econômicas, sociais e emocionais de um povo.

A altura do salto não é só uma tendência, é um espelho. E ele sempre reflete mais do que gostaríamos de admitir.

Trago fatos, Marília Ms. 

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