Subsídio para Pobre é Vagabundagem, para Rico é Fomento: A Hipocrisia dos Incentivos Econômicos

 


Vivemos em uma sociedade onde a retórica sobre meritocracia e esforço pessoal esconde uma estrutura profundamente desigual de privilégios e benefícios. Enquanto o trabalhador comum luta para pagar contas, acessar um sistema de saúde precário, suportar um transporte público insuficiente e garantir uma educação de qualidade para os filhos, os mais ricos usufruem de vantagens fiscais, incentivos e subsídios que muitas vezes são naturalizados ou mesmo glorificados sob o nome de “fomento econômico”. O mais chocante? Esse sistema é defendido não apenas pelos beneficiados diretos, mas também por aqueles que nunca terão um jatinho, mas acreditam na ilusão de que um dia poderão estar do outro lado.

Se todo mundo precisa de saúde, transporte e educação, por que os impostos sobre esses serviços essenciais pesam tanto, enquanto os jatinhos de luxo, usados por uma pequena elite, são tributados com taxas reduzidas? Por que quando uma família em situação de pobreza recebe um auxílio para se alimentar ou pagar suas contas básicas, isso é considerado assistencialismo preguiçoso, mas quando um bilionário recebe isenção de impostos ou financiamento governamental para manter seus lucros, isso é chamado de "incentivo ao desenvolvimento"? A resposta está em um sistema de privilégios que foi meticulosamente construído para beneficiar poucos à custa de muitos.

Nos ensinaram a acreditar que aqueles que possuem muito chegaram lá por mérito e esforço próprio, enquanto os que lutam diariamente para sobreviver não trabalham duro o suficiente. Esse discurso se sustenta porque é conveniente: ele transforma a desigualdade em uma narrativa de merecimento. Mas a verdade é que riqueza, em sua maioria, não vem do esforço individual, e sim do acesso a recursos, oportunidades e, claro, incentivos governamentais que são ocultados sob uma linguagem burocrática e técnica.

O pobre que recebe um auxílio emergencial é taxado de vagabundo, de aproveitador do Estado. Mas o bilionário que recebe isenção fiscal para importar um jatinho ou para abrir uma filial de sua empresa em um paraíso fiscal é visto como um grande empreendedor. Se uma mãe solo recebe um Bolsa Família para alimentar os filhos, isso é visto como dependência do governo. Mas se um empresário bilionário recebe bilhões em incentivos fiscais e empréstimos subsidiados, isso é chamado de “fomento ao crescimento econômico”.

Essa dualidade de percepção não acontece por acaso. A elite econômica sempre soube que a melhor forma de manter seus privilégios é garantir que as classes mais baixas lutem entre si, ao invés de questionar o verdadeiro problema: um sistema que protege os interesses de quem já tem tudo e demoniza aqueles que só querem o mínimo para viver com dignidade.

A disparidade de tratamento fica evidente quando observamos a estrutura tributária do Brasil. Produtos essenciais, como alimentos e remédios, são altamente tributados. O transporte público sofre com taxas e tarifas abusivas. A educação, que deveria ser um direito fundamental, é cada vez mais um privilégio para aqueles que podem pagar por escolas e universidades privadas.

Agora, vamos falar dos jatinhos. Uma aeronave particular, usada por milionários e bilionários para evitar aeroportos e ganhar tempo, tem carga tributária menor do que a de uma motocicleta comprada por um trabalhador para se deslocar ao serviço. O combustível da aviação executiva tem impostos reduzidos, enquanto a gasolina que o cidadão comum usa para ir trabalhar sofre com uma carga tributária pesada.

Isso acontece porque quem dita as regras não são os trabalhadores comuns, mas sim aqueles que podem pagar por lobbies políticos, que financiam campanhas eleitorais e que, consequentemente, moldam as leis e tributações a seu favor. O sistema não foi feito para ser justo; ele foi feito para perpetuar privilégios.

O discurso liberal adora falar em "livre mercado", "concorrência justa" e "redução da presença do Estado", mas essa lógica só se aplica quando o pobre precisa de ajuda. Na prática, os ricos sempre dependeram do Estado para manter sua riqueza.

Os subsídios governamentais para grandes empresas são chamados de incentivos fiscais. Quando um banco bilionário enfrenta uma crise, ele recebe pacotes de socorro financeiro pagos com dinheiro público – e isso é chamado de "estabilização do mercado". Quando um empresário sonega milhões em impostos, ele negocia anistias e refinanciamentos – e isso é chamado de "refinanciamento da dívida ativa". Mas quando uma família recebe um auxílio para comprar comida, isso é taxado de "dependência do governo".

Não existe Estado mínimo para os ricos. Existe um Estado que está sempre pronto para protegê-los, enquanto corta verbas para a população mais vulnerável.

Essa desigualdade na percepção da ajuda governamental não acontece por acaso. Ela é alimentada por uma máquina ideológica poderosa:

  1. A mídia corporativa repete incessantemente a narrativa de que programas sociais são um peso para a economia, enquanto ignora os bilhões em isenções fiscais para grandes corporações.
  2. O sistema educacional deficiente não ensina as pessoas a questionar o funcionamento do sistema econômico e tributário, garantindo que a desigualdade seja perpetuada sem resistência significativa.
  3. O marketing do "sonho empreendedor" vende a ilusão de que qualquer um pode se tornar bilionário se apenas "trabalhar duro o suficiente" , enquanto ignora que a ascensão social real é quase impossível sem acesso a privilégios estruturais.

No fim, muitos dos que criticam o Bolsa Família e outros programas sociais são as mesmas pessoas que nunca criticaram as isenções fiscais bilionárias ou os incentivos para grandes empresas. Isso acontece porque fomos ensinados a enxergar os pobres como inimigos e os ricos como modelos a serem seguidos.

A realidade é que o problema nunca foi o pobre recebendo auxílio, e sim o bilionário acumulando fortuna às custas do Estado e do trabalho alheio. Se vamos questionar o uso do dinheiro público, que comecemos pelos incentivos que beneficiam aqueles que já têm tudo.

Se auxílio governamental é "vagabundagem", então que deixemos de subsidiar bancos, grandes indústrias e empresários bilionários. Se imposto alto é um problema, então que se reduza a carga sobre o trabalhador, e não sobre jatinhos de luxo.

O verdadeiro fomento econômico não acontece ao dar incentivos a quem já é rico, mas sim ao garantir que toda a população tenha acesso a condições dignas de vida. Saúde, transporte e educação são direitos. Jatinhos são privilégios. E a maior falácia do nosso tempo é fingir que são as migalhas que sustentam a desigualdade, quando, na verdade, são os banquetes de poucos que mantêm muitos na miséria.

Trago Fatos, Marília Ms.

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