Sergipe: Uma Política de Prioridades Desviadas em Meio à Insegurança Alimentar



 Em 29 de abril do ano passado, dados do IBGE chocaram a sociedade ao apontar que Sergipe era o campeão nacional em insegurança alimentar, revelando uma realidade paradoxal em que o estado investe 40 vezes mais recursos em polícia, festas e mídia do que em programas efetivos de combate à fome. Essa contradição torna-se ainda mais gritante quando se observa que, segundo a PNAD de 2023, cerca de 50% dos domicílios sergipanos enfrentam algum nível de insegurança alimentar, afetando de maneira severa a vida de crianças e adolescentes, que já sofrem com a vulnerabilidade gerada por um contexto de pobreza e exclusão social.

Os dados do Unicef aprofundam a compreensão desse cenário, demonstrando a ausência de políticas públicas que atendam adequadamente às necessidades das famílias com renda de até um salário mínimo, muitas das quais vivem na informalidade e em constante desproteção. A situação se agrava ainda mais quando se analisa a pobreza multidimensional entre crianças e adolescentes: enquanto 45,2% dos jovens brancos vivem nessa condição, entre os negros esse percentual salta para 63,6%, evidenciando a perpetuação de desigualdades históricas e a falta de uma estratégia integrada para a inclusão social e econômica dos grupos mais vulneráveis.

Nesse contexto, a política pública do estado parece ter suas prioridades distorcidas. Em meio a uma realidade em que a insegurança alimentar é alarmante, o Governo de Sergipe opta por direcionar recursos para áreas que promovem a sensação de ordem e modernidade, mas que pouco contribuem para a melhoria das condições de vida da população. Ao mesmo tempo em que famílias lutam para garantir o alimento diário, o estado investe maciçamente em segurança ostensiva, em eventos festivos e em campanhas midiáticas, demonstrando uma inversão de prioridades que favorece a manutenção de uma imagem institucional, mas que negligencia a urgência do combate à fome e à pobreza.

Em resposta às críticas e à pressão popular, o governo tem tentado demonstrar seu compromisso com a erradicação da pobreza infantil e a inclusão social por meio de uma série de programas e ações implementadas em 2023 e 2024. Entre essas iniciativas, destaca-se o repasse de R$ 43 milhões aos municípios por meio do cofinanciamento estadual, que visa fortalecer os serviços socioassistenciais e a proteção social básica e especial. O programa Cartão Mais Inclusão, que beneficiou 320 mil sergipanos com um investimento de R$ 82 milhões, foi concebido para assegurar alimentação e suporte financeiro às famílias em situação de vulnerabilidade. Além disso, programas voltados à segurança alimentar, como a distribuição de 1,4 milhão de refeições pelo Prato do Povo e a aquisição de 3.000 toneladas de alimentos pelo Programa de Aquisição de Alimentos, atenderam agricultores familiares e entidades assistenciais, ao mesmo tempo em que ações de inclusão social, como a expansão do Ciranda Sergipe para 37 municípios e o lançamento do Plano Estadual da Primeira Infância, procuraram fortalecer as políticas intersetoriais para o desenvolvimento infantil.

Para o ano de 2025, o governo já anunciou novas ações estratégicas que incluem a ampliação do cofinanciamento estadual com um aporte de R$ 34 milhões, a expansão do Cartão Mais Inclusão para 350 mil beneficiários com um investimento de R$ 60 milhões e a distribuição de 1,2 milhão de refeições pelo Prato do Povo. Também estão previstos investimentos em infraestrutura, com a construção de 50 creches-escolas pelo programa Amei, e o fortalecimento dos programas de apoio às famílias em situação de vulnerabilidade, que prometem ampliar a cobertura e melhorar a qualidade dos serviços prestados.

Embora tais iniciativas possam ser vistas como passos na direção de uma maior proteção social, elas parecem responder mais a uma necessidade emergencial do que a uma transformação estrutural que resolva as raízes da insegurança alimentar. A redução da taxa de pobreza, de 45,6% em 2023 para 43,2% em 2024, segundo dados oficiais do IBGE, ainda é insuficiente diante dos números alarmantes e das necessidades profundas de um estado onde metade dos lares enfrenta a falta de acesso a alimentos de qualidade. Essa abordagem, marcada por intervenções pontuais e emergenciais, corre o risco de tratar apenas os sintomas de um problema estrutural, enquanto a real transformação depende de uma reorientação das prioridades orçamentárias e de um planejamento estratégico que coloque a segurança alimentar e o combate à pobreza no centro das políticas públicas.

A urgência de uma política pública verdadeiramente transformadora se impõe em meio a esse cenário de contradições. Enquanto Sergipe continua a direcionar recursos para áreas que promovem uma imagem de modernidade e segurança, os dados mostram que a fome e a pobreza permanecem como desafios diários para milhões de sergipanos. A promessa de proteção, dignidade e inclusão precisa se materializar em ações que vão além de programas emergenciais, buscando uma integração eficaz entre políticas de segurança alimentar, educação, saúde e inclusão social, de forma a romper com ciclos históricos de desigualdade e exclusão. Sem essa transformação, o estado continuará a ser marcado por contrastes dolorosos, onde o brilho de investimentos em segurança e mídia ofusca a realidade sombria de famílias que lutam diariamente contra a fome.

Trago fatos , Marília Ms

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