O Futebol como Espelho de uma Sociedade Machista



 O futebol, que para muitos simboliza paixão, identidade e união, revela em seu interior uma face obscura quando se torna um palco para a perpetuação da violência contra a mulher. Essa relação, por vezes sutil e outras explícita, expõe como a cultura esportiva pode reforçar estruturas patriarcais e contribuir para o aumento dos índices de agressões domésticas, transformando a derrota de um time em um estopim para a violência.

Historicamente, o futebol foi construído sob a égide do machismo, onde a virilidade, a agressividade e a competitividade são exaltadas como virtudes. Essa construção cultural não apenas molda o comportamento dos torcedores, mas também legitima, de forma indireta, atitudes abusivas no convívio familiar e social. Quando um resultado adverso acontece , seja a derrota de um time ou o insucesso de um desempenho esperado,esse sentimento de frustração encontra um canal para a agressividade. Assim, o esporte, que deveria ser motivo de celebração e lazer, se transforma em um gatilho para conflitos internos, sobretudo no ambiente doméstico.

O impacto desse comportamento não é mera especulação: estudos e campanhas já evidenciaram a ligação direta entre dias de jogos e o aumento de violência contra a mulher. Em 2014, uma ONG inglesa lançou um vídeo alarmante que apontava para um crescimento nas agressões domésticas em dias de jogos da seleção inglesa. O slogan dessa campanha, “Ninguém queria que a Inglaterra vencesse mais do que as mulheres” , sintetizava a angústia e a crítica de uma sociedade que via, nos triunfos esportivos, um pretexto para a dominação e a violência. Pesquisadores da Universidade de Lancaster confirmaram que, durante as Copas do Mundo de 2002, 2006 e 2010, os índices de agressões contra mulheres se elevavam significativamente em dias de jogos.

No Brasil, o cenário se apresenta de forma igualmente preocupante. Em 2022, o Instituto Avon, em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgou que o número de denúncias de violência contra a mulher aumentava 23% nos dias de jogos de futebol, especificamente durante partidas do Brasileirão da Série A, com um recorte de 2015 a 2018. O perfil das vítimas – majoritariamente mulheres entre 18 e 29 anos – revela não apenas uma vulnerabilidade, mas também a urgência de se repensar a cultura que, ao celebrar o esporte, acaba silenciosamente permitindo que a agressão se perpetue.

Quando veículos de comunicação de grande circulação, como a TNT, trazem esses dados à tona, o impacto é duplo. Por um lado, a divulgação dos números serve como um alerta para a sociedade e para os formuladores de políticas públicas, evidenciando a necessidade de medidas preventivas e de apoio às vítimas. Por outro, a própria mídia tem a responsabilidade de repensar como retrata o futebol e seus desdobramentos. Não basta celebrar vitórias e gols se, na contramão, mulheres continuam a sofrer os impactos de uma cultura de violência que se intensifica em dias de jogo.

O questionamento levantado pelo post , “por que as mulheres têm medo da derrota do seu time?”, vai além de uma simples constatação. Ele expõe a interseção entre o esporte e o sistema patriarcal que, muitas vezes, coloca o orgulho e a virilidade masculinos acima do bem-estar e da segurança das mulheres. Essa reflexão se faz ainda mais necessária em um contexto onde, mesmo em dias de celebração , como o 8 de março, Dia Internacional da Mulher , as agressões e as denúncias continuam a se acumular ao longo do ano.

Para transformar esse cenário, é fundamental que a sociedade repense as narrativas que exaltam a violência como consequência natural da frustração esportiva. A mudança passa pelo reconhecimento de que o futebol, em sua essência, pode , e deve , ser um agente de integração e de promoção de valores como respeito, solidariedade e igualdade. Instituições, mídia e torcedores precisam se unir para descontruir o estereótipo do “homem de verdade” que reage com violência diante de uma derrota.

Políticas públicas direcionadas, campanhas de conscientização e programas de educação emocional podem ser instrumentos poderosos para reverter essa realidade. Se, por um lado, os números apontam para um aumento alarmante das denúncias, por outro, eles também demonstram que a violência é uma escolha , um comportamento aprendido e reforçado por um meio social que, historicamente, negligencia o cuidado com as relações familiares e de gênero.

O futebol, ao se entrelaçar com a violência contra a mulher, revela uma face perturbadora de uma sociedade que ainda luta contra resquícios de um passado machista. A crítica não recai apenas sobre os torcedores ou sobre o ambiente dos estádios, mas sobre um sistema cultural que, inadvertidamente, legitima a agressão e a dominação. O alerta feito pela TNT e os dados apresentados por diversas pesquisas devem servir como ponto de partida para uma reflexão profunda. Se, ao menos, 1% da audiência atingir uma consciência crítica e promover mudanças em seu comportamento, estaremos dando um passo importante rumo a uma sociedade onde o esporte seja, de fato, um instrumento de união e respeito, e não de violência e medo.

Trago fatos, Marília Ms.

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