Estética, Consumo e Desperdício : Moda como Instrumento de Diagnóstico Social
A moda, em sua essência, sempre foi mais do que uma simples forma de se vestir; ela é um reflexo multifacetado da sociedade, das contradições e dos dilemas que permeiam nosso cotidiano. Analisar um photoshoot de uma figura como Hailey Bieber, por exemplo, vai muito além de apreciar a estética ou as tendências do momento. É possível identificar, nas escolhas visuais e nos arranjos de objetos – como flores que se confundem com frutas – uma narrativa profunda sobre consumo, desperdício e as disparidades sociais.
Em imagens cuidadosamente compostas, onde flores e frutas se entrelaçam, emerge uma metáfora contundente: o desperdício de alimentos e a efemeridade dos padrões de beleza. Quando se vê frutas caindo de uma sacola, com sua iminente decomposição, a mensagem é clara. Não se trata apenas de um erro estético ou de um acidente de produção; é a representação simbólica de uma sociedade que, enquanto desperdiça abundâncias, deixa de reconhecer as necessidades de muitos. Essa desconexão entre o que é exibido como luxo e o que é vivido no dia a dia das massas ilustra de forma brutal a disparidade entre os que têm acesso ao supérfluo e os que lutam para garantir o básico.
O debate sobre o “novo padrão de beleza” tem ganhado força nas redes sociais, especialmente com a previsão de que, com a popularização de determinados produtos – como a patente 12 em pique –, os corpos mais magros possam se tornar não apenas um ideal, mas também um símbolo de exclusividade. Aqui, o corpo deixa de ser um espaço de saúde e vitalidade para se transformar em um acessório caro, cuja manutenção requer investimento constante. A moda, nesse contexto, revela suas contradições: enquanto para as massas o corpo ideal é sinônimo de um custo elevado e quase inalcançável, para as elites, o mesmo ideal se torna uma questão de status, um detalhe refinado que enfatiza a distância entre ter e não ter.
O tema da comida, tão recorrente nas tendências atuais, não poderia estar ausente nessa análise. Em um mundo onde o excesso convive lado a lado com a escassez, a maneira como a elite se relaciona com os alimentos revela um paradoxo inquietante. Quem tem dinheiro compra comida, mas não a consome de forma significativa – muitas vezes, ela é empilhada, desperdiçada ou, literalmente, deixada apodrecer. Essa prática, que transforma o alimento de um bem essencial em um mero acessório de status, reflete uma crítica social contundente: enquanto o povo luta para ter acesso à nutrição, os privilegiados, inadvertidamente ou por escolha, desvirtuam o verdadeiro valor dos alimentos.
O que torna a moda tão potente como ferramenta de análise social é justamente sua capacidade de traduzir, por meio do visual, os dilemas e as contradições de um tempo específico. Cada tendência, cada ensaio fotográfico, carrega em si a história de uma sociedade que se reinventa e, simultaneamente, reproduz velhos padrões de desigualdade. Ao observarmos as produções artísticas de hoje – onde o desperdício de comida e a estética refinada se fundem – podemos compreender melhor os desafios de um mundo onde o acesso ao bem-estar ainda é privilégio de poucos.
Essa arte visual é politicamente direta: ela denuncia a lógica do consumo exacerbado e a superficialidade que permeia a busca por um ideal inalcançável. Quando, no futuro, pesquisadores analisarem as tendências de moda de 2025, perceberão que cada escolha estética fazia parte de um debate mais amplo sobre responsabilidade social, sustentabilidade e a própria essência do ser humano em meio a uma crise de valores.
A moda, portanto, deixa de ser apenas uma questão de aparência para se transformar em um espelho que reflete a complexidade das relações sociais e econômicas. Ela expõe, de forma contundente, a disparidade entre o luxo desmedido e a realidade cotidiana, onde o desperdício e a escassez andam de mãos dadas. Esse cenário nos convoca a uma reflexão profunda: qual será o verdadeiro preço da manutenção de um ideal estético que, na prática, simboliza a exclusão e a desigualdade?
Em última análise, compreender a moda é compreender a sociedade. É através dela que se lê o contexto dos nossos tempos, com todas as suas contradições e desafios. E, ao encarar essas tendências com um olhar crítico, nos forçamos a repensar não apenas o que vestimos, mas como vivemos e como podemos transformar as estruturas que sustentam um modelo de consumo que, muitas vezes, desumaniza e exclui.
Trago Fatos, Marília Ms.
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